domingo, 9 de outubro de 2011

AQUÁRIO



"Mas se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. 
Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo" 
(Exupéry, O Pequeno Príncipe, 1943).


Percebo a cada dia que as pessoas são muito carentes. Carentes de afeto, de cumplicidade, companheirismo, lealdade, de amizades sinceras. Todos nós procuramos por pessoas que possamos conviver para todas as horas, para os momentos de alegria pelo simples fato de se estar juntos, e para momentos ruins, onde estar juntos é a força que necessitamos para que possamos continuar a arte de viver.

Porém, como é difícil confiar e se entregar à uma amizade de afetividade, onde ela seja desintencionada à outros objetivos que não a cumplicidade!

Num mundo onde as pessoas valem mais pelo que o tem, pelos status que possuem em círculos sociais - que alguns entendem ser o mais importante de se manter, esquecendo-se de que esses círculos, em suas maiorias são fachadas para se esconder infelicidades e dissabores da vida -, num mundo onde muitos fazem do outro um trampolim para a vitória, transformando-o em mero objeto para se chegar ao fim desejado, a desconfiança faz com que as amizades sejam frágeis, híbridas, frias, desencantadoras. 

Deve ser por isso que durante a vida muitas pessoas passam por nós, porém não conseguimos decifrar as preciosidades existentes nem em 1% delas. Todos as pessoas, por piores que sejam, possuem alguma qualidade, alguma característica interessante, que podemos admirar e apreender como forma de melhorar nossa existência na terra. Mas é o medo que faz com que não nos entreguemos às relações. Ele evita com que mergulhemos a fundo no mundo do outro e não deixemos que o outro também invada o nosso. Com isso, todos perdemos. Perdemos a oportunidade de criar vínculos, amizades, de ter momentos de convivência onde a simples presença de quem nos é caro, já é um brinde a vida e à esse ato de entrega.

Medo de se entregar à uma amizade que não haja lealdade. Medo de se ferir ao se perceber objeto para que o outro alcance seus objetivos. Nossos medos nos faz tanto o bem como o mal. O bem por nos livrar de pessoas que realmente querem qualquer coisa conosco, menos a amizade genuína. Mal porque podemos nos enganar com o receio que ele produz, e perdermos a oportunidade de alinhar amizades verdadeiras, desinteresseiras. 

Na verdade, o medo é talvez o sentimento mais antagônico existente dentro do ser humano, sobretudo nas conseqüências de nossas escolhas. Na amizade, ele é mediador, é o promover do bom-senso. É ele quem talvez nos aponte a hora de sair à francesa ou a hora de desarmar-se para viver algo inesquecível.

Somos todos carentes de amizades verdadeiras, porém a existência do medo em nós é a comprovação de que, infelizmente, precisamos selecionar bem, muito bem, as pessoas que podem desfrutar de nossa amizade, de nosso convívio. Somos nós quem escolhemos abrir as portas da amizade com as pessoas e permiti-las a conhecer nosso mundo. 

Nesse conhecer do desconhecido o fim é incerto. Não devemos ter medo de conhecer o desconhecido, devemos ter medo de nos ferir nesse conhecimento. No ato de cativar e ser cativado é o medo quem nos sinaliza a hora de avançar e a hora de frear, e até mesmo buscar novos caminhos.

Desenvolver amizades é saber conviver com o medo no ato de (deixar-se) cativar. É sentir a hora de (se) permitir e de (se) retirar. É saber que o que separa a alegria e o sofrimento nesse ato é uma linha muito tênue, e que só cabe a nós permitir a intencionalidade em que a alegria ou o sofrimento se manifestará. 

Ter medo para selecionar melhor, para se permitir somente para o melhor. Amizades sinceras, quando encontradas, são únicas, elas produzem o que há de melhor na relação do ser humano com ser humano: a necessidade um do outro.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

NO ENCONTRO DO SOL COM A CHUVA

Praia da Costa - Vila Velha / ES - 18 de setembro de 2011

É o Tempo quem nos faz melhor. É ele o possuidor do dom de fazer com que evoluamos a ponto de, ao pararmos por qualquer motivo, termos consciência do que fazemos, do que escolhemos e do que (ou quem) é necessário ser revistado, alterado ou retirado de nossa vida.

Tenho aprendido com esse mesmo Tempo que as melhores coisas acontecem quando menos esperamos. O melhor é fruto do natural. Sem ser forçado, articulado, para que ocorra. Hoje entendi que da mesma forma, a felicidade é um ato de escolha.

Muitas vezes sofremos porque insistimos em pessoas, relacionamentos, instituições, circunstâncias que já não encontram espaço em nosso presente. E se, seja qual motivo for, estão no passado, é porque lá é o seu lugar. Nosso erro é tentar resgatar, seja à custa da dor que tenhamos que sentir, para fazer do presente uma continuidade do passado, que já passou.

Abrir mão desse passado é um ato de coragem. É um ato de ousadia. É um ato de gente que tem personalidade. É, acima de qualquer outra definição, um ato de amor próprio. Desistir de insistir em trazer para o presente alguns fantasmas de um passado que já se encerrou é ter a consciência de que somos nós quem permitiu às pessoas fazerem parte de nossa história de vida. E mais que isso, se por algum motivo estão no passado, é porque lá é o lugar delas. Se em suas estadias na existência de nossas vidas tivessem trazido somente coisas boas, com certeza, a noção de passado não existiria nesse relacionamento. O presente ainda seria o único existente.

Decidi que agora as pessoas só podem entrar na minha vida se for para me fazer bem, caso contrário, são altamente dispensáveis. Eu, amante dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana, que necessito de uma prática de alteridade para vivenciar tais conceitos e impregná-los na minha alma, corpo e espírito, socorro-me, nesse momento, à Soren Kierkegaard, quando afirma: "Acima de tudo, não se esqueça da obrigação de amar a si mesmo."

Permitir-me envolver com as pessoas e por elas despertar e nutrir alguma espécie de sentimento é uma escolha. Amar a mim mesmo é diferente, é minha obrigação. E amar é, nas palavras do apóstolo Paulo, também sofrer. Se amar a mim mesmo é sofrer pela decisão de dispensar (isso mesmo, esse é o verbo tônico dessa análise) algumas pessoas da minha vida, que assim seja!

Cansei. E cansei de insistir em algo que já não tem o porquê existir. Não me leia como um rebelde sem causa. Até porque nesse contexto não tem causa. Ela já é passada. A decisão agora é viver bem o presente. Só o tenho para construir. Meu futuro é tão incerto como a possibilidade de voltar ao passado e, ao tentar trazê-lo para o presente, obter êxito.

O mar da vida não permite segunda chance! O arco-íris e suas sete cores só aparecem quando o sol brilha sobre gotas de chuva. Só por isso, esse é um fenômeno raro. Assim também é o amor! Raríssimo, porém quando acontece, é inesquecível.

O arco-íris do amor próprio é tentar conjugar as cores multifacetárias da vida e os encontros que escolhemos vivenciar. Selecionar melhor esses encontros é decidir por aceitar em sua vida só o brilho forte e iluminador de pessoas que só podem lhe fazer o bem e a suavidade do amor que emerge nesse envolvimento.

Por ora, decidi ouvir o sábio Tempo. Com ele ouço o barulho do mar da vida, que não me permite segundas chances. Mas é nele que posso contemplar a perfeição que é existir, quando me permito a ser gotas de chuvas indo de encontro com pessoas iluminadas, que carregam em si fortes luzes que clarearão os melhores caminhos para minha vida.

Se as luzes já se apagaram, se as gotas de chuva já evaporaram, se as cores do arco-íris já se dissiparam, é porque as marcas já estão postas. Estão escritas num passado, que pode até por algum período ter sido bom, mas que já se encerrou. Parar de insistir em resgatar o passado é se posicionar por amar a si mesmo, obrigatoriamente, como a melhor forma de viver o presente.

Como o mar da vida é grande, sempre cabem novas caminhadas e novos encontros, novas gotas de chuvas, novos encontros com luzes diferentes e a possibilidade de produzir o que for necessário para  aparecer novos arco-íris... isso tudo, somente enquanto o Tempo assim me permitir.

Tempo, Tempo, Tempo. Sábio Tempo!