domingo, 4 de dezembro de 2011

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA – PARTE 3 – ARISTÓTELES


Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384 a 322 a.C era discípulo de Platão, até que por divergências sobre as concepções de teoria e prática, dentre outras coisas, abandonou a Academia de Platão e fundou sua própria escola, o Liceu.

Platão considerava existir um primado da teoria sobre a prática, uma vez que o filósofo ao ter acesso ao conhecimento necessita retornar à caverna, como num imperativo, para que possa levar as idéias do bem e da justiça, compartilhando-as universalmente, e a partir disto, utilizá-las para o bem da cidade inteira. De igual forma, se faz mister o retorno do filósofo à caverna para que se torne o filósofo-rei, uma vez que é o possuidor do conhecimento, podendo governar a cidade de forma ditatorial, procurando ter uma política baseadas em padrões exteriores à política e à história, com normas e padrões extramundanos. A política, nesse sentido, é para Platão, pensada como normas de fabricação, onde o governo formata a cidade a partir das idéias, das normas e padrões extramundanos, metafísicos.

Na filosofia platônica, portanto, há uma relação direta entre a teoria e a prática. A primeira rege à segunda. As ações políticas são regidas, nesse sentido, pela teoria do conhecimento. Esta sempre determinará o território da ética e da política. Justamente neste ponto há a divergência principal de Aristóteles.

Para Aristóteles, a ética e a política são leis próprias, não advém de normas e padrões extramundanos. A ética e a política são as ciências da vida política, da ciência prática, da ação. Juntamente com as ciências práticas, o filósofo ainda classificou as ciências em mais duas outras, a saber: ciências teoréticas (as contemplativas, que se refere à vida teórica) e as ciências fabricadoras ou produtivas (as poiéticas). Porém, cada grupo de ciências tem finalidades específicas.

As ciências fabricadoras/produtivas são aquelas cujo resultado da ação do agente é diferente do agente, não se confundindo com ele. Por exemplo, o pintor é o agente e a pintura produzida é o resultado da ação do agente. Nestas ciências se encontram a arquitetura, a economia, a medicina, a arte da guerra, da caça, da navegação, a pintura, a escultura, etc.

Já as ciências práticas são a ética e a política. Nestas o objetivo é o próprio ato da produção. Suas práticas visam justamente à produção da ética e da política e nada além. O agente político que as produz tem por objetivo o bem do próprio agente político e ético. Nesse sentido, a finalidade da ética é o bem do homem, é a felicidade e o alcance das virtudes morais, tais como a coragem, temperança, amizade, modéstia, justiça, prudência, etc. O homem ético é virtuoso é, portanto, feliz. Já a finalidade da política é o bem comum: a liberdade e a justiça. Nesse sentido, o agente da ética e da política é o homem e o seu fim é o próprio homem. O agente, suas ações e as finalidades de suas ações são indissociáveis.

Por fim, as ciências teóricas estudam coisas independentes do homem. São ciências contemplativas. Desta forma, não há ação nestas ciências, pois se contemplam a natureza e as coisas divinas, que existem por si e em si mesmas. As coisas divinas são superiores às naturais, pois são imutáveis, não se alteram e não se submetem ao devir, ao vir a ser no mundo. Dentre às várias ciências que são classificadas como teóricas há uma classificação de superioridade, onde a física, biologia, meteorologia são inferiores à matemática e astronomia, que por sua vez, são inferiores à metafísica.

Ressalta-se uma similitude entre as ciências produtivas e as práticas: a contingência. Para Aristóteles, ambas se realizam na medida do possível e não necessariamente. O possível (a contingência) se dá em razão das ações humanas possíveis, que dependem de circunstâncias, como a escolha do agente entre as variedades possíveis existentes. Já as ciências teóricas, diferentemente, estão no campo do necessário. São ciências contemplativas e por isso são necessárias as naturezas e as coisas divinas, imutáveis.

Posto isto, Aristóteles caminha para estabelecer três modos de vida, a saber:

a) a vida agradável, prazerosa: está relacionada ao gozo dos prazeres. Ao longo de suas obras, discute-se a desconsideração do filosofo em relação à esse modo de vida;

b) a vida política (bios politikos): relacionado à ética e ao político;

c) a vida contemplativa (bios theoretikos): relacionado à teoria, ao filósofo, que contempla as coisas naturais e divinas

Dando mais ênfase aos dois últimos modos de vida, Aristóteles afirma que nem todos podem viver tais vidas. Melhor, só se vivem esses modos de vida homens livres, ou seja, que não precisam se ocupar com o que é necessário, com o que útil. Por tal razão, o autor não cita como um modo de vida o modelo referente às ciências produtivas, onde o produtor só produz para servir a quem o contrata ou quem compra suas obras.

Em outras palavras, um modo de vida livre é aquele que pode ser seguido por homens que não tem necessidades biológicas de sobrevivência, livres da produção de algo que seja útil para o outro. Nesse sentido, a figura do escravo não pode seguir tal estilo de vida, uma vez que não é livre de seu senhor. A mulher de igual forma. Cabe à ela somente atender as necessidades vitais da família. Aristóteles iguala a figura feminina com à dos animais, pois entende que ao ocupar-se em satisfazer as necessidades biológicas da família, perde a característica propriamente humana. Escravos e mulheres carregam consigo o ônus do biológico.

Ser livre, para Aristóteles, é poder se ocupar com o que é superior, com o Belo, e este é superior ao que é necessário e útil. O homem que vive o modelo de vida política ocupa-se em seguir uma vida política que realiza belos feitos. O homem que vive o modelo de vida contemplativa ocupa-se em contemplar as coisas eternas, o belo eterno. O Belo tem fim em si mesmo, assim como a felicidade tem o fim em si mesmo.

O homem que contempla o Belo, que tem as virtudes e a felicidade da vida ética, precisa ocupar-se com sua especificidade no interior do gênero animal, ou seja, o homem é a espécie denominada “animal político”. Ocupa-se com os negócios públicos, onde conhece e expressa seu caráter e suas virtudes. A esfera privada, o oikos, é de responsabilidade das mulheres e dos escravos, meras “coisas vivas ou inanimadas”. O homem que segue a vida política ou a contemplativa tem o saber das ciências práticas, que é adquirido com o hábito, com a experiência e o tempo. Por isso é virtuoso, e quanto mais virtuoso, mais sábio é. O saber adquirido das ciências práticas diz respeito à prudência.

Prudência é a capacidade de agir segundo o justo meio, ou seja, ser mediano entre a falta e o excesso. É saber escolher as melhores atitudes para a realização de fins éticos e políticos. É a maior das virtudes maiores que o homem da vida política pode adquirir com as ciências práticas, ao longo do tempo. Isso se dá porque os homens não nascem virtuosos, mas somente com a potencialidade para se tornarem virtuosos, o que se dá com o hábito. E conhecer a virtude não é o suficiente, é a prática que faz com se adquira esse saber.

As virtudes morais (como a principal, prudência) são diferentes das virtudes intelectuais, as adquiridas pela instrução, que exigem experiência e tempo. Estas podem ser classificadas em: técnicas, razão intuitiva, conhecimento científico e sabedoria teórica.

Posto isto, podemos nesse momento produzir algumas conclusões com as concepções aristotélicas sobre a relação da teoria e da prática, bem como compará-las às platônicas.

Nas classificações das ciências feitas por Aristóteles vimos que as ciências produtivas e as ciências práticas se dão no âmbito do possível (contingente) e as ciências teóricas no campo do necessário. Com isso, assim como se dava em Platão, poderíamos depreender que as ciências teóricas são superiores que as ciências produtivas e as práticas. Porém, em Aristóteles isto não ocorre, pois para o filosofo cada ciência tem leis e fins próprios, tem racionalidades distintivas e que, portanto, não se confundem.

Conclui-se também que, para Aristóteles, assim como em Platão, a contemplação é superior à ação. Porém, em sentidos diferentes. Em Platão a contemplação é superior à ação porque a política se dá a partir de normas de fabricação, ou seja, das idéias, do conhecimento, do contemplar ao mundo metafísico, extramundano.

A similitude de ambos filósofos está na racionalidade que impera na política. Ainda que a racionalidade não seja depreendida de normas e padrões de contemplações ao mundo metafísico como na concepção de Platão, na concepção de Aristóteles a racionalidade está refletida nos seus governantes, que a obtém com pelo hábito, tempo e experiência. É a “sabedoria prática” ou a “prudência”. Sendo mais claro, é a racionalidade fruto do critério de idade para a governabilidade. Os mais velhos são mais virtuosos, segundo Aristóteles, do que os jovens, ainda sem os devidos hábitos, tempo e experiência para atualizarem o potencial virtuosismo, e portanto, para governar.

No campo da governabilidade, na concepção aristotélica, onde as mulheres e escravos, e os jovens desprovidos dos hábitos, do tempo e da experiência, tal quanto em Platão – e por motivo distinto, a saber: a tirania da razão, fruto da contemplação – a racionalidade é imperativa para o agir político. Há a dicotomia do pensamento e da ação, na medida em que certo critério da racionalidade (fruto do hábito, do tempo e da experiência) desempenha papel autoritário, em detrimento da ação.

Aristóteles dessa forma foi quem primeiro recorreu à “natureza” com a finalidade de estabelecer o governo, fazendo distinção entre os mais jovens e os mais velhos, destinando os primeiros à serem governados e os últimos à governarem, por serem mais habituados, mais experientes e com mais tempo de vida, num critério racional.

OBSERVAÇÕES:

1. Este texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina “Introdução à Filosofia” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares.

2. A primeira parte dessa série é introdutória, explicando a problematização da relação entre a teoria e a prática você encontra acessando aqui. Já a segunda parte, analisando a mesma problemática, a partir da nota sobre a Teoria das Idéias e da contemplação e ação em Platão, você encontra aqui.

3. Na próxima parte iremos analisar a mesma problemática, a saber, a Teoria e Prática, porém na Antiguidade Tardia e na Filosofia Medieval, a partir da nota de contemplação e ação em Agostinho.


VEJA TAMBÉM:

1. Lógica I - A Teoria de Aristóteles


Um comentário:

  1. Muito bom o texto.
    Meu filho precisava de material pra estudo sobre Aristóteles e o seu material foi de grande ajuda. Fico imensamente grata.
    Sou aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Una (Belo Horizonte) e estou certa de que ainda visitarei sua página outras vezes. Também vou indicar para os alunos do primeiro período, que estão cursando Antropologia Cultural e Sociologia. Eles vão gostar, sem dúvida.
    Obrigada, mesmo, por sua dedicação em expor os assuntos com tanta clareza.
    Ah! E parabéns pelo currículo! Todos aqueles que não se acomodam diante do conhecimento, mas o agarram e o disseminam são dignos de aplausos.
    Forte abraço!

    EmmyLibra

    www.emmylibra.blogspot.com

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