sábado, 31 de dezembro de 2011

VALEU A PENA 2011 - PARTE 2 - RETROSPECTIVA


É chegada a hora de encerrar mais um ano. E que ano! 2011 foi pra mim o ano em que muitas coisas se concluíram e outras começaram. Foi o ano em que pudemos me desprender de uma identidade fixa e ser vários, em momentos diversos. Afinal, quem, o quê, como, posso me identificar? Se houve algo interessante nesse ano que se finda é justamente isso: fui eu, um nome fixo “Edmarcius Carvalho Novaes”, um ser que se apresentou de diversas formas, em diversos territórios e em diversos relacionamentos e contatos. E em toda essa multiplicidade de ocasiões, faces e vivências, pude ser feliz.

Michel de Certeau, um filosófico francês contemporâneo, uma vez escreveu que “a identidade imobiliza o gesto de pensar, prestando homenagem a uma ordem. Pensar, pelo contrário, é passar; é questionar essa ordem, surpreender-se pelo fato de sua presença aí, indagar-se sobre o que tornou possível essa situação, procurar – ao percorrer suas paisagens – os vestígios dos movimentos que a formaram, além de descobrir nessas histórias, supostamente jacentes, ‘o modo como e até onde seria possível pensar diferentemente’”.

E nesse sentido eu vivi 2011. Pensei e repensei, em diversos momentos, as paisagens as quais presenciei, as novas descobertas e as novas histórias construídas. A começar por aqui. Nunca pensei tanto e sobre tantas coisas, postando-as por aqui, como nesse ano. Teve de tudo, desde artigos jurídicos, sociológicos, religiosos, filosóficos, até relatos de vivência. Por isso, nesse momento, e até mesmo para ficar aqui arquivado e acessível nos momentos de nostalgia de um ano marcante que se acaba, deixo abaixo registradas as minhas várias identidades construídas (e por quê não desconstruídas e reconstruídas?), em minhas paisagens, em minhas histórias, cada uma com sua significação específica e memorável.


Valeu a pena 2011 porque...



01) Tive saúde, paz, tranqüilidade, aprendizagens, conquistas, mas também porque tive momentos de inquietação, decepções, frustrações;

02) Porque tive comigo meus familiares e amigos mais chegados, e todos juntos, conseguimos vivenciar todo esse ano, sem nenhuma despedida pela força da morte;

03) Conclui uma Pós-Graduação em Docência para o Ensino Superior, pelo IMES, na perspectiva de plantar novos caminhos, que com certeza, no tempo certo, virão. Que 2012 me surpreenda nesse sentido.

04)  Conclui uma Pós-Graduação em Direito Público, pela Universidade Anhanguera – UNIDERP, na perspectiva de aprofundar meus conhecimentos sobre a juridicidade da governança pública, área do campo do Direito que realmente gosto. Dessa conclusão de curso, surgiu um desafio para ser realizado em 2012, e que pretendo concluí-lo, que é a publicação do trabalho de conclusão de curso, em formato de livro, sobre a gratuidade no transporte coletivo urbano para pessoas com deficiência, tema ainda complexo na esfera nacional e que demanda um olhar jurídico, baseado em direitos humanos e sociais, além de conhecimento das realidades desse segmento. Promete!

05) Conclui um MBA em Administração Pública e Gestão de Cidades, também pela Universidade Anhanguera – UNIDERP, que juntamente à outra pós iniciei logo no começo de 2010, pensando justamente na possibilidade de uma formação acadêmica que alie a juridicidade e a administração da coisa pública. Também na perspectiva de plantar novos caminhos, para um bom futuro. De igual forma, outro desafio é transformar o trabalho de conclusão desse curso noutro livro, abordando a importância dos Conselhos Gestores Municipais de Assistência Social para o Controle da Gestão Pública. Promete também!

06) Também cursei, durante todo o ano, as últimas disciplinas da Pós Graduação em Educação e Inclusão: Libras, pela FAEL, ficando somente o trabalho de conclusão de curso para o próximo ano. A abordagem das práticas educativas inclusivas do aluno surdo face à questão de sua formação identitária e cultural pela Libras, demandará em 2012 de uma dedicação aprofundada. Também vem muita coisa boa, nessa perspectiva.

07) Fiz  ainda dois cursos de extensão: uma capacitação para Promotores da Paz Social, pela Polícia Militar de Minas Gerais, e outro sobre formação de conselheiros gestores da Política de Assistência Social, pela Universidade de Montes Claros.

08) No campo da produção técnica produzi o artigo de opinião “Garantias Legais das Pessoas Surdas: Conquistas e Desafios”, que foi publicado pela Revista da FENEIS – Federação Nacional de Educação e Inclusão de Surdos.

09) Prestei consultoria à Comissão de Educação da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, palestrando sobre o “Direito à Educação Bilíngue para Pessoas Surdas” em Audiência Pública, no mês de novembro, naquela Casa Legislativa, a convite do querido Seu José Onofre, da SOCEPEL e toda família. Uma das melhores famílias que tive a oportunidade de conhecer neste ano.

10) Palestrei sobre “Práticas Pedagógicas, Educação Especial e Libras: Olhares sobre Adolescentes Surdos” para a competente e animada equipe de educadores sociais do Programa Poupança Jovem de Governador Valadares, a convite da amiga de estudos Magda Breguez.

11) Palestrei sobre “Direito à Educação: Marcos Legais da Educação Inclusiva, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva e as Legislações Existentes” no  V Seminário de Formação de Gestores e Educadores em Educação Especial – Direito à Diversidade, realizado pela Secretaria Nacional de Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura / MEC e Secretaria Municipal de Educação de Poços de Caldas, podendo conhecer também o frio (-3°) que faz no mês de junho em Poços de Caldas / MG, além de suas belezas e do banho térmico relaxante, tão comum na cidade. Agradeço os momentos vividos no nome da querida Etieny Carvalho.

12) Palestrei sobre “O Professor trabalhando com Libras no Ensino Regular e no Atendimento Educacional Especializado” no VI Seminário de Formação de Gestores e Educadores em Educação Especial – Direito à Diversidade, também realizado pela Secretaria Nacional de Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura / MEC e Secretaria Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, no mês de setembro na cidade de Cachoeiro do Itapemirim / ES. O carinho e a atenção dispensados a mim pela equipe realmente foi muito marcante. Agradeço à todas e a todos, no nome da amiga Conceição. Ótimos e inesquecíveis momentos!

13) Palestrei sobre “Surdez: Conquistas e Desafios” no 10° Seminário CONHECER Espírito Santo, realizado pela competente Empresa Máximas Eventos, na cidade de Aracruz, em setembro. Um evento que contou com a participação de grandes nomes como Gabriel Chalita, Fabio de Melo, dentre outros.

14) Palestrei sobre os “Aspectos Legais da Comunicação em Língua Brasileira de Sinais como instrumento de atendimento clínico e educacional” no 1° Congresso Virtual de Psicologia Saúde e Educação do Rio de Janeiro, realizado pelo Instituto de Psicologia CRESCER (do querido João Oliveira, que me convidou) e pela Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro da cidade de Campos dos Goytacazes – RJ.

15) Palestrei sobre “A Importância do Conhecimento da Língua Brasileira de Sinais” numa Capacitação Técnica do Serviço Social do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, realizada pela Agência INSS Governador Valadares, num Hotel Fazenda em Frei Inocêncio / MG. Meu muito obrigado à eterna e querida amiga Jaqueline Françoá.

16) Palestrei sobre “Os Direitos Legais da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla”  no 2° Seminário Interdisciplinar da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, realizado pela APAE de Ipatinga, a convite da minha amiga Wanilda Varela, que além do carinho pela convivência do período que passamos juntos, me proporcionou conhecer e aprofundar na discussão da importância das APAEs no Brasil. Muito obrigado à Wanilda e a toda a equipe da APAE – Ipatinga.

17) Palestrei sobre “Orçamento Público” na III Conferência Regional dos Direitos das Pessoas Idosas, realizada pela SEDESE Regional de Governador Valadares, a convite da amiga Karla França. Quanto aprendi mais do que contribui!

18) Fui para o segundo mandato no Conselho Municipal de Assistência Social de Governador Valadares, podendo colaborar na Coordenação da IX Conferência Municipal de Assistência Social de Governador Valadares, realizada na FADIVALE, tendo a participação importantíssima da gestora de Coronel Fabriciano, Julia Restori. Nessa conferência também fui eleito e participei da IX Conferência Estadual de Assistência Social em Belo Horizonte. E por fim, porque também fui eleito nesse Conselho à Vice-Presidente para o biênio 2011-2013, juntamente com a querida Maria José, de longa caminhada junto às entidades socioassistenciais.

19) Fui para o segundo mandato no Conselho Municipal da Pessoas com Deficiência, podendo contribuir com nova gestão na qualidade de Vice-Presidente juntamente com a querida Nathalie da AVADDE para o biênio 2011-2013, e de igual forma de colaborar na Coordenação da Conferência Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que será realizada em 2012.

20) Pude contribuir com a inédita, e única, iniciativa de organização de movimentos sociais LGBT de Governador Valadares, para a realização da I Conferência Regional de Direitos Humanos e Políticas Públicas LGBT de Governador Valadares, onde tive a oportunidade de ser eleito e participei, em Belo Horizonte, da II Conferência Estadual dos Direitos LGBT de Minas Gerais. Experiência riquíssima para conhecer a realidade do segmento, seus discursos e suas reivindicações, tão importantíssimas num cenário nacional onde, em 2011, o STF reconheceu o direito à união estável de casais homoafetivos.

21) Em mais um ano na frente da CAAD  - Coordenadoria de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência pude realizar um estudo aprofundado sobre a realidade socioeconômico do segmento em Governador Valadares, mapeando a deficiência nos bairros da cidade. Pude também realizar a Semana da Inclusão da Pessoa com Deficiência Visual de Governador Valadares, em parceria com a ADEVISA – Associação de Deficientes Visuais e Amigos, com palestra e a apresentação do humorista Geraldo Magela. Como foi boa essa experiência, e poder ver a alegria dos meus queridos amigos deficientes visuais.

22) Fui aprovado em 3° lugar no vestibular para o Curso de Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal de Lavras, na modalidade EaD no campus de Governador Valadares. Filosofia sempre foi uma paixão, e hoje cursá-la tem sido a realização de um grande sonho. Acho que é um novo caminho que se abre para mim, e que me dedicarei com mais ênfase nos próximos anos.

23) Fui aprovado como Apto, em exame de Banca, do Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez – CAS de Montes Claros, da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, obtendo Autorização para Interpretação Educacional em Libras e Língua Portuguesa. Outro novo caminho profissional que se abre para o futuro!

24) Tive momentos de lazer assistindo as novelas (que gosto muito) Cordel Encantado e agora A Vida Da Gente. Assisti o filme Rio em 3D, em Contagem com minhas primas Sula e Stela. À Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, em Valadares, com meu amigo Denisson. O melhor filme do ano, A Pele que Habito, em Vila Velha. Lá também conheci o Convento da Penha. Com meu irmão e cunhada, conheci Nova Almeida. Fui ao show de Paula Fernandes no Chevrolet Hall BH, no show do Roupa Nova no Arena em Valadares, com Karla e Ana Paula, no show de Lenine no Palácio das Artes em BH com o Tetel, no show do Vander Lee e no 'Ensaio de Cores', da Ana Carolina, ambos também no Palácio. Presenciei o casamento da minha amiga Francielli, acompanhado de Ana Paula, Dani, Rosangela e Lucas e Lavoiseir, onde dançamos muito. Fui ao debut da Thamires. Fiz 5 meses de academia e depois parei (já é um avanço). Passei várias vezes e ótimos dias na casa de meus amigos José Marcelo e Ana Paula, em Belo Horizonte. Também me senti lisonjeado ao ser lembrado e citado na lista de agradecimentos no livro ‘Gotas Bíblicas’ do Tetel.

25) Aderi ao Twitter e ao Scribd.

26) Conheci alguns novos amigos especiais: Washington Bonifácio, Mauricio Cancilieri, Gina Pagu, Igor Tabosa, Mauro Juventude, Jaime Luiz e Regina, Marlei, Alexandre Feitosa, Filipe Gaigher, Flavio Luciano, Giliard, Helio Henrique, Igor Madeira, Juliana Coelho, Ricardo Henrique, Lélio Braga, Magda Ripke, Miriam Barreto, Selma Campbell, Silvana Soares, Sílvio Rodrigo, Vitor Diniz, Wiliam Oliveira, Melk Jhonathan. Os amigos antigos que revi, também vivi ótimo com eles.

27) Fiz 15 viagens aéreas nacionais, tanto a trabalho como a lazer, e em nenhuma delas passei aperto.

28) Nasceu minha prima querida Melissa. Princesa da família. Linda. E também a Alice, outra prima, que ainda não a conheço.

29) Vi minha mãe se formar em Pedagogia pela UFMG. Tenho muito orgulho dela. Depois de criar seus filhos, foi a luta e agora tem essa vitória.

30) Adquiri meu notebook novo e meu primeiro carro. Chega de chuva em moto!

31) Amei e fui amado, conquistei amores, dispensei alguns e perdi outros, me livrei de sentimentos que ainda me impediam de amar novamente... 2012 promete nisso!

2011 agora já se vai, deixando suas marcas, que esse tornaram inesquecíveis. Entraram para a minha história, para o que fui e contribuindo para o que eu possa vir a ser. Que o devir se faça, reconhecendo a importância do que se passou, porém sem se esquecer que de fixo há apenas eu, e que o belo da vida é o desconhecido, é justamente a possibilidade de conhecer novas paisagens, pensamentos e ações, é a possibilidade de se reinventar, reiniciar, reconquistar.



Em 2011 você pode me ver do jeito que quis. De tantas mil maneiras que eu fui, tenho certeza que uma delas lhe agradou!

E que venha 2012!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

ANA CAROLINA: SIMPLESMENTE ACONTECEU



O dia era 28 de março de 2011. Saí de Governador Valadares com destino à capital mineira, Belo Horizonte, para realização de um sonho: assistir a apresentação do novo show da cantora Ana Carolina, ‘Ensaio de Cores, no Palácio das Artes. Com o ingresso – adquirido com muita antecedência – em mãos, a ansiedade tomou conta enquanto esperava pelo inicio da apresentação, ao passear pelo hall do Palácio, admirando as telas pintadas por ela e expostas ao público.

Ana Carolina, em telas, é ainda mais fenomenal. Dizem que quem é artista passeia por várias artes. E isso se comprovou. A mistura de música e arte, com fins sociais – parte da arrecadação da venda dos quadros é revertida para uma associação de que trata de juvenis diabéticos – só fez crescer ainda mais a admiração pela artista completa que é.

As músicas são retratadas por telas. Tudo começou, segundo entrevistas com a própria cantora, de forma despretensiosa em 2002, ainda durante o álbum Estampado. E o gosto pela nova manifestação de arte foi tomando maiores proporções. 


'Esta tela é a Vox Populi, foi feita num final de semana de chuva e frio em novembro de 2004. Quando conclui a tela, percebi que a canção era Vox Populi porque a imagem me sugeria uma multidão vista do alto'.


Continuando a maratona de meu dia de fã em busca de seu artista, corri para a platéia e fiquei ansioso esperando o início da apresentação. E começou diferentemente logo de cara: no palco somente mulheres. A percursionista Lan Lan, a pianista Délia Fischer, a violoncelista Gretel Paganini, e ela, a grande aguardada da noite: Ana Carolina, linda como sempre, com seus cabelos longos e castanhos e seu manequim preto básico!


Confesso que a emoção foi demais. Arrepiante. Emocionante. Em meio aos gritos soltos por fãs mais histéricas que eu, a apresentação do Show “Ensaio de Cores” tinha começado. E eu ali, de pé com máquina fotográfica e celulares preparados para registrar tudo que aconteceria por lá em mãos. O repertório apresentado foi semelhante à ordem em que as músicas se apresentam no álbum, lançado agora em novembro – e que comprei logo no primeiro dia de venda, sabe como é, coisa de fã assumido!

‘Rei das Cores’ a primeira faixa apresenta a proposta do novo trabalho: ser marcado pela mistura das artes, na leveza da voz firme e típica de Ana Carolina. A demonstração das cores e a predileção destas para diversos momentos, num jogo com as palavras que levou a platéia ao delírio.

As telas e elas’ é a sensualidade de um amor, fruto de uma admiração com uma bela mulher. Uma relação de beleza que arremata o coração, que mexe com as cores do coração, amolecendo-o. Avassalador. Suavizador das relações amorosas que se vêem muitíssimas bem retratadas nesse quadro, pintado pela música.

‘Alguém Me Disse’ é uma daquelas canções de se cantar com a mesma força com a qual um (a) alguém um disse cortou o nosso coração! É uma declaração pelo avesso. É dizer a certeza que se carrega consigo mesmo que o amor dado – e desprezado – sempre será maior que qualquer outro amor que se consiga conhecer. É uma canção de cantar com convicção. Faz bem à alma ferida. E Ana Carolina - por ser uma artista completa – faz uso de seus tons agudos para ratificar a beleza dessa música, muito bem pintada com cores fortes.

‘Você não sabe’ dá continuação a essa relação desfeita. É o fora que a pessoa dá, com elegância e charme, para alguém que um dia passou pela nossa vida e não fez jus, e hoje lamenta pela oportunidade perdida. Você não sabe com quem está falando... É a conclusão por cima. É a recuperação do amor próprio. Recomendadíssima para fins de relacionamentos, onde só se agradece pelo fim.

‘Carvão’ é a primeira das regravações de sucessos já produzidos e reapresentados no álbum. E eu sou suspeito pra comentar qualquer coisa sobre essa música em especial. Para mim é A MELHOR MUSICA DE TODOS OS ALBUNS DE ANA CAROLINA. Ela desnuda totalmente a alma de um amante desprezado, que teve seu coração transformado num carvão após o fogo de uma grande paixão. 

E nessa hora não agüentei. Foi meu ápice de fã face àquela que canta tudo em minha vida. Que melhor pinta na arte de cantar tudo o que já se viveu, já se chorou, já se alegrou, nesse processo de se transformar em carvão e de si reencontrar. Pra se ter noção de como foi isso, assista ao vídeo (e perdoe-me pela voz ao cantar junto, a música não é meu forte).




‘Todas Juntas Num Só Ser’ é a música do recomeço, do renovo. É pra quando se está pronto e se encontrar um novo amor. É de se cantar juntinho, ao pé de ouvido: mais que tudo e todas, é só você, hoje quero só você, que é todas elas juntas num só ser. Um rit alto-astral e que pega...

‘Azul’ é a cor do amor. Se vem de Deus ou dos olhos de quem se ama, pouco importa. Amar é ver tudo azulzinho. E alguém diz que não? O instrumental da guitarra de Ana Carolina é destaque nessa faixa.

‘O Violão’ traz a suavidade da voz de Ana Carolina com a beleza de uma letra. A compreensão de que o violão e seu som é a representação de uma arte, bela, delicada, frágil como um corpo de mulher, nua.




‘Feriado / O Amor é um Rock / Entre Tapas e Beijos’
traz a sagacidade de Ana Carolina, com a exposição da relação bissexual, de forma musical interessantíssima. A gravação do sucesso sertaneja, na versão feminina de Ana é o diferencial.

‘Pra tomar três’ usa e abusa das palavras pra fazer marcante a música. Sensacional. Em breve será o melô dos que gosta de tomar uma, uma não, três! rs.

‘Simplesmente Aconteceu’ é a música melodrama mais linda do álbum. Não foi apresentada no show em Belo Horizonte. Somente fui conhecê-la a partir do próprio álbum. É a representação do que acontece quando o amor aparece: não há explicações. E muito menos quando ele não dá certo. Amar é se permitir, pro bom e pro ruim. Isso tudo simplesmente acontece... Como lidar com a volta à solidão? Ouvindo essa música milhões de vezes, deve ajudar!

‘Claridade / Só Fala em Mim / Pra Rua Me Levar’ é um pot-pourri desses três grandes sucessos. É momento de sobriedade com nostalgia. Lembra-se de amores passados trazendo a claridade necessária da vida, até mesmo para seguir em frente. A vida é isso! Ana Carolina acaricia as cores das memórias de amores passados e gravados nas telas de corações que outrora foram apaixonados, afinal, recordar é viver!

‘Força Estranha’ é a regravação do sucesso de Roberto Carlos para um musical em 2010 onde várias cantoras apresentavam suas versões de grandes sucessos do cantor. Ana Carolina, especificamente, foi exuberante. Sua voz forte, com o agudo peculiar à sua voz, deu outra pegada para a música. Inesquecível.




‘Stereo’
é de autoria de Preta Gil, genial na voz de Ana. É a manifestação da bissexualidade, do lance do despertar e do corresponder, não correspondendo, mistérios alheios, proibidos. A exemplo da música anterior, não foi apresentada no show em que fui ao Palácio das Artes.

‘Problemas’ é a última faixa do álbum e foi acrescentada já na finalização do produto, porque a música embala um casal da novela Fina Estampa. Representa as indagações de justificativas para um possível fim de um relacionamento e a declaração de amor para que o mesmo permaneça. É daquelas canções que se popularizaram pela trilha sonora de telenovelas, fazendo jus, pela beleza de letra e de apresentação. Ana Carolina mais uma vez compôs o que de fato passa em corações apaixonados, que superam quaisquer problemas, em nome desse amor.



Acabado o show fui embora com a sensação de que valera a pena as horas e mais horas de viagem para assistir aquela apresentação. E feliz por ter, em duas horas, estado tão perto e ouvido ao vivo, a bela voz de quem pinta nas letras de suas músicas, muitos de meus sentimentos, de meus amores e desamores. O sonho de um dia de fã tinha se concretizado, e tudo tinha sido muito marcante. E marcou mesmo, a ponto de se tornar inesquecível. Simplesmente Aconteceu... e torcendo para que aconteça novamente!

Leia também:


Ana Carolina - Álbum #AC: Vem transformar minha vida

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA – PARTE 5 – MAQUIAVEL


Maquiavel (1469 – 1527) é um filósofo e político italiano, que representa a Filosofia Moderna na divisão em épocas da historiografia da Filosofia, pois ao romper com o pensamento político medieval e com o humanismo cívico do Renascimento, inaugura o pensamento político moderno, destacando-se com suas obras “O Príncipe” e “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio” (Discorsi). Diferentemente de todos os filósofos anteriores, é Maquiavel que subordina toda teoria e qualquer religião à política, sendo a prática, portanto, o fim para todas as preocupações humanas.

Em razão dessa primazia da política sob qualquer teoria, o filósofo apresenta uma crítica ao Cristianismo, pois entende que esta religião guarda desapreço pelo mundo e pelos negócios públicos. O cristão não tem para si a ação política como a ação por excelência, uma vez que o cristianismo busca a tranqüilidade da contemplação, do ócio, o que provoca desestímulo à prática, causa certa ‘preguiça’ e a “fraqueza em que a moderna religião fez mergulhar o mundo” (Maquiavel, 2000, II, 2). A religião cristã, considerada nefasta pelo filósofo por não ter apreço à prática, faz com que seus seguidores se preocupem em salvar suas almas antes mesmo de salvar sua pátria, representando um orgulho, um egoísmo e maldade para com o mundo e a pátria.

Arendt (2002, p. 300) ressalta que o filósofo em tela, “não é um ateu moderno, que não crê em Deus”. Trata-se de uma pessoa que coloca “em risco sua alma” e que enfrenta “a danação eterna pelo seu país” e por isso, entende que os cristãos são egoístas, uma vez que “vivem por sua própria salvação ao invés de redimir seu país”, permanecendo “fora da esfera pública, e não pronunciam exortação nessa esfera”

Nesse contexto Maquiavel elogia a religião pagã  dos romanos - 
e igualmente às religiões pagãs de outros povos da Antiguidade -, pois a considerada como um instrumento da política, na medida em que os cidadãos se fidelizam ainda mais à república ao acreditarem que os deuses estão a favor de um feito político, histórico, entendendo-o como divino.

Na filosofia maquiaveliana, a manipulação do povo pela religião tem por finalidade a salvação pública, a preservação da república. Uma república estável é aquela que guarda a durabilidade e a perpetuidade histórica, e que causa a ausência de tentativas de obras e feitos re-fundadores, perpassando gerações. (Maquiavel, 2000, I. 11). Desta forma, ou seja, com a subordinação da teoria à prática, uma religião é virtuosa, é útil para os fins políticos, no momento que garante a seguridade da república, não havendo importância se a religião utilizada como instrumento seja falsa, se os políticos desacreditem em seus oráculos, vaticínios, augúrios. Pelo contrário, segundo Maquiavel (2000, I. 12), devem os governantes “favorecer tudo o que possa propagar esses sentimentos (religiosos), mesmo que se trate de algo que considerem ser um erro”.

Outro ponto destacado nas obras de Maquiavel é que o mesmo entende que a natureza humana não é má, não é determinadora da história em direção a um fim, pois não furta a liberdade da ação humana. Bignotto (1991, 173) afirma que a natureza humana é instável e manifesta “sede de novidades”, o que justifica a existência de “indeterminação no campo político”, e a procura, em muitos momentos, por “vias obscuras da construção social pela ação contínua dos homens na cidade”.

Essa liberdade existente na natureza humana se dá por meio da ação política. Para Maquiavel, tal ação política é o exercício da virtude (“virtù” em italiano), ou seja, é a capacidade de agir no interesse do bem público, sacrificando quaisquer interesses pessoais em proveito do público. Tais atos podem ser considerados como re-fundadores, pois tem por escopo conservar e fortalecer a república já fundada. Como maiores exemplos de fundadores de uma cidade ou religião, Maquiavel (2000, VI) apresenta as figuras de Moisés (judaísmo), Ciro (Pérsia), Romulo (Roma) e Teseu (Atenas).

Para o filósofo, os fundadores citados agiram, cada um em seus respectivos períodos, porque a corrupção se manifestava. A corrupção deve ser entendida como o perecimento de uma forma política, com o subjugo de uma cidade por outro povo. Nesse sentindo, a fundação ou re-fundação se fazia necessária. Arendt (2003, p. 181) afirma que Maquiavel, “embora nunca tenha usado a palavra, foi o primeiro a conceber uma revolução” (grifo nosso).

A “revolução” causada pelos fundadores ocorreu porque os mesmos encontravam-se num contexto de servidão. A liberdade existente na natureza humana de tais fundadores, movidos pela virtude (capacidade de agir no interesse do bem público), fez com que  agissem visando o fim da corrupção e a criação de uma forma de governo que suportasse a ação do tempo. 



Para se controlar a possibilidade de corrupção pelo tempo se faz necessário estabelecer meios, podendo sê-los as leis, a religião ou outras instituições. Tais meios possibilitam impor limites à corrupção, à natureza humana que anseia se modificar constantemente, e à fortuna – entendida como as circunstâncias que escapam do controle humano, o acaso, a sorte (Maquiavel, 1973, VIII, XXV). No capítulo XXV de O Príncipe, o filósofo julga “feliz aquele que combina o seu modo de proceder com as particularidades dos tempos, e infeliz o que faz discordar dos tempos a sua maneira de proceder”.

Possuir virtude nesse contexto, portanto, é ter a capacidade de agir conforme as circunstâncias, evitando o vício político de se guiar por virtudes e por conceitos morais cristãos que não acompanhem as variações do tempo e das circunstâncias. Segundo Silva Filho (2011, p. 67), Maquiavel entendia que para manutenção da República, se for útil, deve o governante recorrer à mesquinhez, à deslealdade, crueldade, mentira, ludíbrio, em detrimento de uma generosidade, fidelidade, compaixão e verdade que possa levá-la à ruína.

Pode-se concluir que o bordão “os fins justificam os meios” reflete o espírito maquiaveliano na medida em que se tem por escopo o bem comum, o que difere totalmente da conotação dada por expressões como “maquiavélico”, ou seja, ter a ação uma forma desonesta, inescrupulosa, perversa, com fito em interesses próprios. Pelo contrário, toda a construção do pensamento político moderno de Maquiavel visava interesses públicos.

É Maquiavel o primeiro filosofo que inverte a relação de subordinação entre a teoria e a prática, pois confere autonomia à política, sendo esta superior hierárquica a qualquer outra ciência ou disciplina, justamente por ter essa uma utilidade que vai além da contemplação, ou seja, por ser instrumento do alcance de finalidades públicas, onde a existência da virtude se faz necessária para superar corrupções e fortunas, e assim, manter-se a república e  a promoção do bem comum.


BIBLIOGRAFIA:

ARENDT, H. “Que é Autoridade?” In: _______. Entre o passado e o futuro. Trad. Barbosa, M. W. São Paulo: Perspectiva, 2003.

BIGNOTO, N. Maquiavel republicano. São Paulo: Edições Loyola, 1991.

MAQUIAVEL, N. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Brasília: Editora UNB, 2000, Livro I.

____________. O Príncipe. Col. Pensadores. São Paulo: Abril, 1973.

SILVA FILHO, Luiz Marcos da. Nota sobre teoria e prática em Maquiavel. In: Sobre a relação entre teoria e prática na história da filosofia: Platão, Aristóteles, Agostinho e Maquiavel. Lavras: UFLA, 2011.

OBSERVAÇÃO:

1.  Este texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina “Introdução à Filosofia” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares. Produzido em 16/12/2011.

2. Esta é a última parte da série sobre a relação entre a teoria e prática na história da filosofia. Na primeira parte, apresentamos uma análise desses conceitos, e posteriormente, as perspectivas a respeito de Aristóteles (segunda parte), Platão (terceira parte) e Agostinho (quarta parte).

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA – PARTE 4 – AGOSTINHO


Agostinho de Hipona (354 a 430 d.C) é o filósofo que representa a Filosofia Tardia, levando em considerando a divisão das épocas pela historiografia filosófica. No que se refere ao problema da relação entre a teoria e a prática em Agostinho, faz-se necessária a análise de dois trechos de sua obra A Cidade de Deus, onde o mesmo apresenta três modos de vida a partir de dois mandamentos cristãos: amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. Tais mandamentos expressam a busca pela contemplação do divino (teoria) e o engajamento no mundo pela preocupação com o próximo (prática).

Semelhantemente à Platão, Agostinho não faz uma diferenciação entre as ciências para estabelecer tais modos de vida. De igual forma, o filósofo concebe o entendimento de que a prática é subordinada à contemplação. Segundo Arendt (1981, p. 22) Agostinho é até mais veemente em estabelecer essa relação de subordinação, porém, como o filósofo acreditava “num outro mundo cujas alegrias se pronunciam nos deleites da contemplação”, este “conferiu sanção religiosa ao rebaixamento da vida activa à sua posição subalterna e secundária”.

Segundo Agostinho (2002) o homem pode assumir a

“vida ociosa, a exemplo dos que por possibilidade e gosto se entregaram aos estudos, ou vida de negócios, como os que juntaram o estudo da filosofia com o governo e a administração da república, ou vida mista, como os que dedicaram parte da vida ao ócio erudito e parte do negócio necessário”.

Ao estabelecer tais três tipos de vida (o ocioso, o ativo e o misto), Agostinho ressalta que

“interessa considerar o que o amor à verdade nos dá e o que o dever de caridade nos pede. Ninguém deve, com efeito, entregar-se de tal maneira ao ócio, que se esqueça de ser útil ao próximo, nem de tal maneira à ação, que se esqueça da contemplação de Deus (...). Por isso, o amor à verdade busca o ócio santo e a necessidade do amor aceita devotar-se aos justos negócios. Se ninguém nos impõe semelhante ônus, devemos entregar-nos à busca e à contemplação da verdade. Se alguém no-lo impõe, devemos aceitá-lo por necessidade da caridade. Mesmo em tal caso não se deve abandonar totalmente o prazer da verdade, para não acontecer que, privados desse doce apoio, a necessidade nos oprima” (AGOSTINHO. A cidade de Deus, XIX, xix). 

O filósofo entendia que os dois preceitos cristãos precisam ser levados em consideração na escolha de qualquer um dos modos de vida, e que a vida contemplativa só poderia ser afetada se o ônus da ação no mundo for imposto. Desta forma, a vida ociosa é a vida contemplativa ou teorética e, a vida de negócios, a vida ativa ou a prática. Amar a verdade seria o amor a Deus, através dessa vida ociosa. E o amar ao próximo seria o dever da caridade, ou seja, a ocupação com atividades públicas.

O grande dilema seria como amar à Deus, que se encontra extramundo, e ao mesmo tempo, amar ao próximo, a partir do engajamento no mundo?

Arendt (1997), em O conceito de amor em santo Agostinho, apresenta que para Agostinho havia dois principais modos de compreensão dos dois mandamentos, que se fundamenta na concepção da dupla origem do homem: a divina e a histórica. A primeira, à origem do homem em Deus, e a segunda, a origem terrena do homem, em Adão.

A origem divina do homem diz respeito à busca da felicidade e que esta reside em Deus. Por ser Deus a origem e o fim do homem, a busca pelo divino feita pelo homem visa à felicidade, que está no Divino, e não no próximo. Este Ser Supremo é o criador de todas as coisas, inclusive da felicidade. Essa busca se dá pela interioridade, pela inspeção da memória, da criatura racional que tenta dissolver sua identidade histórica com o fito de elevar-se à eternidade.

Nesta concepção de origem do ser humano, amar a Deus é a realização da busca pela felicidade, através do isolamento e por meio da inspeção do espírito, do diálogo consigo mesmo para descobrir em sua interioridade a natureza perdida quando do pecado, ou seja, a sua natureza de criatura do Divino.

O encontro com o próximo, nessa concepção, se dá no momento em que ele, o ser humano, renuncia sua identidade mundana, por entender que é uma criatura do Ser Supremo. O amor ao próximo é um ato que ocorre primeiro porque se ama o ser do próximo como a si mesmo, ou seja, por ser o próximo como o próprio ser humano que o ama: criatura do Divino, uma essência, que possui a mesma natureza comum a todos os seres humanos. Quando se conhece a si mesmo enquanto criatura de Deus, pode-se amar ao próximo em seu ser, também criatura do Divino.

Essa identificação com o outro ocorre em plena quietude, no isolamento contemplativo do ser humano, razão pela qual essa relação de amor ao próximo, nessa concepção, é uma relação sem ação, que se desenvolve numa dimensão metafísica.






Já na origem histórica do homem, a terrena em Adão, amar a Deus ocorre através do ato do Ser Supremo face ao primeiro fato histórico ocorrido, que é a queda de Adão. Tal queda é símbolo do desejo do homem em romper a participação ontológica com o Divino. Foi a aspiração do homem em deixar de amar a Deus, fazendo com que os homens tenham uma igualdade de situação, ou seja, “todos os homens são iguais (aequales), igualmente pecadores” (Arendt, 1981, p. 156).

É nesse momento que Deus, em sua Graça, encarna na figura do Cristo, fazendo com que o homem possa retornar à sua origem verdadeira, restabelecendo a mediação entre Ele, o Ser Supremo, e o homem, que fora interrompida pelo pecado. Este fato histórico, a revelação divina em Cristo, significou a possibilidade de ser ter uma ponte salvífica, de tal modo que não é possível desvincular Cristo de Adão, já que este representa a queda e aquele, a redenção face à queda.

Em razão da encarnação do Cristo, justifica-se amar ao próximo como a si mesmo. O amor de Deus, com o ato sacrificial de Cristo, igualou todos os descendentes terrenos de Adão através da Graça. Arendt afirma que “antes da vinda de Cristo o parentesco de todos os homens era adquirido de Adão pelo nascimento (generatione), aqui, é a graça divina que, relevando-se, torna todos os homens iguais ao mostrar-lhes o seu passado comum no pecado”. (1981, p. 162 e 163).

Desta forma, amar ao próximo significa lembrar constantemente a necessidade da humildade, e a exemplo de Cristo, ajudar ao próximo que ainda pode viver (ou ter retornado ao) no pecado, ajudando-o na conversão, fazendo com que possa ter sua relação com o Divino refeita. Esse amor ao próximo se dá com a prática, realizada com o outro, com a imitação do Cristo, ao conduzi-lo a Deus. O pecado nesse caso é fugir para a solidão, pois com isto, priva-se o outrem da possibilidade da conversão. (Arendt, 1981, p. 164 e 165).

Essa relação social com o próximo tem por objetivo (e é secundária) à relação com Deus. De igual forma, tal relação é provisória, uma vez que ao chegar à eternidade – compreendida como a redenção última e definitiva (Arendt, 1981, p. 169) – cada ser humano terá sua relação direta com o Criador. E por fim, essa relação de amor ao próximo não tem fim em si mesmo, visa à contemplação do divino. Todas as ações são orientadas e subordinadas à contemplação, ao metafísico, ao Divino.

No que se refere aos modos de vida, o ocioso é preferível a todas as outras, uma vez que possibilita o bônus da contemplação. Porém, segundo o filósofo, se o ônus do engajamento no mundo se fizer necessário, é preciso aceitá-lo em função da caridade, do amor ao próximo.

Ressalta-se que, segundo Silva Filho (2011, p. 53 e 54), diferentemente de Platão, o cristão agostiniano ao adquirir progressivamente consciência de sua própria danação e distância da verdade, não pretende nenhuma forma de governabilidade e de ordenança sob os homens. Portanto, não visa critérios de fabricação, uma vez que não há intenção de se criar uma cidade ideal. O que se deseja é somente adentrar à Cidade de Deus, o que significa alcançar a eternidade e a libertação radical da sua condição de temporalidade, ou seja, ter a restituição da sua natureza perdida pelo pecado, com a contemplação do Divino.

BIBLIOGRAFIA:

AGOSTINHO. A Cidade de Deus: contra os pagãos. 2ª parte. Trad. Leme, O. P. Petropólis: Vozes, 2002, XIX, xix.

ARENDT, H. O conceito de amor em santo Agostinho. Trad. Dinis, A. P. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

_________. A condição humana. Trad. R. Raposo. São Paulo: EDUSP, 1981.

SILVA FILHO, Luiz Marcos da. Nota sobre contemplação e ação em Agostinho. In: Sobre a relação entre teoria e prática na história da filosofia: Platão, Aristóteles, Agostinho e Maquiavel. Lavras: UFLA, 2011.

OBSERVAÇÕES:

1. Este texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina "Introdução à Filosofia" da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares. Produzido em 12/12/2011.

2. A primeira parte dessa série é introdutória, explicando a problematização da relação entre a teoria e a prática, e você encontra aqui. Já a segunda parte, analisando a mesma problemática, a partir da nota sobre a Teoria das Idéias e da Contemplação e Ação em Platão, você encontra aqui. E a terceira parte, analisando a mesma problemática, a partir da nota sobre a Vida Teorética e a Vida Polítca em Aristóteles, você encontra aqui

3. Na próxima e última parte, iremos analisar a mesma problemática, a partir da nota sobre teoria e prática em Maquiavel. 

domingo, 4 de dezembro de 2011

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA – PARTE 3 – ARISTÓTELES


Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384 a 322 a.C era discípulo de Platão, até que por divergências sobre as concepções de teoria e prática, dentre outras coisas, abandonou a Academia de Platão e fundou sua própria escola, o Liceu.

Platão considerava existir um primado da teoria sobre a prática, uma vez que o filósofo ao ter acesso ao conhecimento necessita retornar à caverna, como num imperativo, para que possa levar as idéias do bem e da justiça, compartilhando-as universalmente, e a partir disto, utilizá-las para o bem da cidade inteira. De igual forma, se faz mister o retorno do filósofo à caverna para que se torne o filósofo-rei, uma vez que é o possuidor do conhecimento, podendo governar a cidade de forma ditatorial, procurando ter uma política baseadas em padrões exteriores à política e à história, com normas e padrões extramundanos. A política, nesse sentido, é para Platão, pensada como normas de fabricação, onde o governo formata a cidade a partir das idéias, das normas e padrões extramundanos, metafísicos.

Na filosofia platônica, portanto, há uma relação direta entre a teoria e a prática. A primeira rege à segunda. As ações políticas são regidas, nesse sentido, pela teoria do conhecimento. Esta sempre determinará o território da ética e da política. Justamente neste ponto há a divergência principal de Aristóteles.

Para Aristóteles, a ética e a política são leis próprias, não advém de normas e padrões extramundanos. A ética e a política são as ciências da vida política, da ciência prática, da ação. Juntamente com as ciências práticas, o filósofo ainda classificou as ciências em mais duas outras, a saber: ciências teoréticas (as contemplativas, que se refere à vida teórica) e as ciências fabricadoras ou produtivas (as poiéticas). Porém, cada grupo de ciências tem finalidades específicas.

As ciências fabricadoras/produtivas são aquelas cujo resultado da ação do agente é diferente do agente, não se confundindo com ele. Por exemplo, o pintor é o agente e a pintura produzida é o resultado da ação do agente. Nestas ciências se encontram a arquitetura, a economia, a medicina, a arte da guerra, da caça, da navegação, a pintura, a escultura, etc.

Já as ciências práticas são a ética e a política. Nestas o objetivo é o próprio ato da produção. Suas práticas visam justamente à produção da ética e da política e nada além. O agente político que as produz tem por objetivo o bem do próprio agente político e ético. Nesse sentido, a finalidade da ética é o bem do homem, é a felicidade e o alcance das virtudes morais, tais como a coragem, temperança, amizade, modéstia, justiça, prudência, etc. O homem ético é virtuoso é, portanto, feliz. Já a finalidade da política é o bem comum: a liberdade e a justiça. Nesse sentido, o agente da ética e da política é o homem e o seu fim é o próprio homem. O agente, suas ações e as finalidades de suas ações são indissociáveis.

Por fim, as ciências teóricas estudam coisas independentes do homem. São ciências contemplativas. Desta forma, não há ação nestas ciências, pois se contemplam a natureza e as coisas divinas, que existem por si e em si mesmas. As coisas divinas são superiores às naturais, pois são imutáveis, não se alteram e não se submetem ao devir, ao vir a ser no mundo. Dentre às várias ciências que são classificadas como teóricas há uma classificação de superioridade, onde a física, biologia, meteorologia são inferiores à matemática e astronomia, que por sua vez, são inferiores à metafísica.

Ressalta-se uma similitude entre as ciências produtivas e as práticas: a contingência. Para Aristóteles, ambas se realizam na medida do possível e não necessariamente. O possível (a contingência) se dá em razão das ações humanas possíveis, que dependem de circunstâncias, como a escolha do agente entre as variedades possíveis existentes. Já as ciências teóricas, diferentemente, estão no campo do necessário. São ciências contemplativas e por isso são necessárias as naturezas e as coisas divinas, imutáveis.

Posto isto, Aristóteles caminha para estabelecer três modos de vida, a saber:

a) a vida agradável, prazerosa: está relacionada ao gozo dos prazeres. Ao longo de suas obras, discute-se a desconsideração do filosofo em relação à esse modo de vida;

b) a vida política (bios politikos): relacionado à ética e ao político;

c) a vida contemplativa (bios theoretikos): relacionado à teoria, ao filósofo, que contempla as coisas naturais e divinas

Dando mais ênfase aos dois últimos modos de vida, Aristóteles afirma que nem todos podem viver tais vidas. Melhor, só se vivem esses modos de vida homens livres, ou seja, que não precisam se ocupar com o que é necessário, com o que útil. Por tal razão, o autor não cita como um modo de vida o modelo referente às ciências produtivas, onde o produtor só produz para servir a quem o contrata ou quem compra suas obras.

Em outras palavras, um modo de vida livre é aquele que pode ser seguido por homens que não tem necessidades biológicas de sobrevivência, livres da produção de algo que seja útil para o outro. Nesse sentido, a figura do escravo não pode seguir tal estilo de vida, uma vez que não é livre de seu senhor. A mulher de igual forma. Cabe à ela somente atender as necessidades vitais da família. Aristóteles iguala a figura feminina com à dos animais, pois entende que ao ocupar-se em satisfazer as necessidades biológicas da família, perde a característica propriamente humana. Escravos e mulheres carregam consigo o ônus do biológico.

Ser livre, para Aristóteles, é poder se ocupar com o que é superior, com o Belo, e este é superior ao que é necessário e útil. O homem que vive o modelo de vida política ocupa-se em seguir uma vida política que realiza belos feitos. O homem que vive o modelo de vida contemplativa ocupa-se em contemplar as coisas eternas, o belo eterno. O Belo tem fim em si mesmo, assim como a felicidade tem o fim em si mesmo.

O homem que contempla o Belo, que tem as virtudes e a felicidade da vida ética, precisa ocupar-se com sua especificidade no interior do gênero animal, ou seja, o homem é a espécie denominada “animal político”. Ocupa-se com os negócios públicos, onde conhece e expressa seu caráter e suas virtudes. A esfera privada, o oikos, é de responsabilidade das mulheres e dos escravos, meras “coisas vivas ou inanimadas”. O homem que segue a vida política ou a contemplativa tem o saber das ciências práticas, que é adquirido com o hábito, com a experiência e o tempo. Por isso é virtuoso, e quanto mais virtuoso, mais sábio é. O saber adquirido das ciências práticas diz respeito à prudência.

Prudência é a capacidade de agir segundo o justo meio, ou seja, ser mediano entre a falta e o excesso. É saber escolher as melhores atitudes para a realização de fins éticos e políticos. É a maior das virtudes maiores que o homem da vida política pode adquirir com as ciências práticas, ao longo do tempo. Isso se dá porque os homens não nascem virtuosos, mas somente com a potencialidade para se tornarem virtuosos, o que se dá com o hábito. E conhecer a virtude não é o suficiente, é a prática que faz com se adquira esse saber.

As virtudes morais (como a principal, prudência) são diferentes das virtudes intelectuais, as adquiridas pela instrução, que exigem experiência e tempo. Estas podem ser classificadas em: técnicas, razão intuitiva, conhecimento científico e sabedoria teórica.

Posto isto, podemos nesse momento produzir algumas conclusões com as concepções aristotélicas sobre a relação da teoria e da prática, bem como compará-las às platônicas.

Nas classificações das ciências feitas por Aristóteles vimos que as ciências produtivas e as ciências práticas se dão no âmbito do possível (contingente) e as ciências teóricas no campo do necessário. Com isso, assim como se dava em Platão, poderíamos depreender que as ciências teóricas são superiores que as ciências produtivas e as práticas. Porém, em Aristóteles isto não ocorre, pois para o filosofo cada ciência tem leis e fins próprios, tem racionalidades distintivas e que, portanto, não se confundem.

Conclui-se também que, para Aristóteles, assim como em Platão, a contemplação é superior à ação. Porém, em sentidos diferentes. Em Platão a contemplação é superior à ação porque a política se dá a partir de normas de fabricação, ou seja, das idéias, do conhecimento, do contemplar ao mundo metafísico, extramundano.

A similitude de ambos filósofos está na racionalidade que impera na política. Ainda que a racionalidade não seja depreendida de normas e padrões de contemplações ao mundo metafísico como na concepção de Platão, na concepção de Aristóteles a racionalidade está refletida nos seus governantes, que a obtém com pelo hábito, tempo e experiência. É a “sabedoria prática” ou a “prudência”. Sendo mais claro, é a racionalidade fruto do critério de idade para a governabilidade. Os mais velhos são mais virtuosos, segundo Aristóteles, do que os jovens, ainda sem os devidos hábitos, tempo e experiência para atualizarem o potencial virtuosismo, e portanto, para governar.

No campo da governabilidade, na concepção aristotélica, onde as mulheres e escravos, e os jovens desprovidos dos hábitos, do tempo e da experiência, tal quanto em Platão – e por motivo distinto, a saber: a tirania da razão, fruto da contemplação – a racionalidade é imperativa para o agir político. Há a dicotomia do pensamento e da ação, na medida em que certo critério da racionalidade (fruto do hábito, do tempo e da experiência) desempenha papel autoritário, em detrimento da ação.

Aristóteles dessa forma foi quem primeiro recorreu à “natureza” com a finalidade de estabelecer o governo, fazendo distinção entre os mais jovens e os mais velhos, destinando os primeiros à serem governados e os últimos à governarem, por serem mais habituados, mais experientes e com mais tempo de vida, num critério racional.

OBSERVAÇÕES:

1. Este texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina “Introdução à Filosofia” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares.

2. A primeira parte dessa série é introdutória, explicando a problematização da relação entre a teoria e a prática você encontra acessando aqui. Já a segunda parte, analisando a mesma problemática, a partir da nota sobre a Teoria das Idéias e da contemplação e ação em Platão, você encontra aqui.

3. Na próxima parte iremos analisar a mesma problemática, a saber, a Teoria e Prática, porém na Antiguidade Tardia e na Filosofia Medieval, a partir da nota de contemplação e ação em Agostinho.


VEJA TAMBÉM:

1. Lógica I - A Teoria de Aristóteles


sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA – PARTE 2 – PLATÃO


Platão, filósofo grego que viveu entre 427/8 e 347/8 a.C, traz a primeira grande reflexão sobre política no Ocidente, através de sua obra A República. Em sua época a política era indissociável da ética e ambas eram ligadas diretamente à teoria do conhecimento, à metafísica, o que justifica estar na metafísica fundamentada toda a filosofia política platônica.

O fundamento político de Platão é exterior, é metafísico. Isso significa mobilizar as categorias da teoria do conhecimento, da teoria das Idéias – idéias extramundano – para a utopia de se fundar uma cidade idealizada como a perfeita, denominada A República, tendo como paradigmas as idéias de Bem e de Justiça, num traço totalmente transcendente.

Os diálogos platônicos podem ser divididos por meio da classificação de suas obras, ou seja, em obras de “juventude”, de “maturidade” e de “velhice”. A partir da segunda categoria temos as obras onde Platão apresenta a Teoria das Idéias (ou do conhecimento).

A gênese dessa teoria está na apologia de Sócrates, realizada de Platão. É por meio da personagem de Sócrates que Platão expõe, portanto, sua Teoria das Idéias. Sócrates viveu no século V a. C e morreu no ano 399 a.C, sem deixar obras escritas e condenado a morte em Atenas, por ter sido acusado de desrespeito aos deuses, criação de divindade próprias e por perverter a juventude, uma vez que problematizava os valores da sociedade ateniense. Nesse sentido, a filosofia nasceu com a problematização da ética, o que a tornou à época uma ameaça à cidade.

O Oráculo de Delfos (em Delfos havia um templo, onde Apolo fornecia oráculos, predizendo o futuro) afirmou que Sócrates era o mais sábio e tal declaração era irrefutável, uma vez que as afirmações do Oráculo eram tidas por todos como divinas. Sócrates então, para ver se realmente era o mais sábio, teve contato com vários homens considerados sábios com o objetivo de desvendar o que fora proclamado a seu respeito, uma vez que se sabia como ignorante. Após esses contatos, Sócrates percebeu que tinha um único conhecimento: sabia que nada sabia. 

A grande pergunta de Sócrates foi: “O que é?”. Tal pergunta significa interpelar pelo "ser", é quer conhecer o estatuto ontológico do que é questionado. Quando se pergunta o que é não se pergunta pelo particular, e sim pelo universal. (O conceito de universal nos estudos platônicos é realizado somente por Aristóteles, em sua obra A Metafísica, sobre Sócrates). Perguntar pelo "o que é" visa conhecer a natureza, a essência do objeto questionado, pelos traços gerais presentes em qualquer particular.

As obras de Platão sobre Sócrates definem os critérios para responder essa pergunta sobre “o que é?”. A resposta deve ser sempre permanente, e é caracterizada pela imutabilidade. Só nas obras de maturidade é que Platão apresenta “a essência” como uma resposta positiva para a pergunta socrática. Até então, nas obras de juventude, suas respostas eram aporéticas, ou seja, negativas, permeáveis, uma vez que não se explicava a essência, mas utilizava-se de exemplos para responder a indagação socrática.

E é exatamente nestas obras aporéticas onde se há o ganho de elucidar a ignorância de Sócrates. Sócrates era o mais sábio porque sabia que nada sabia e os outros suponham saber, mas não sabiam nada na verdade. As obras aporéticas tem ganho positivo justamente por demonstrar a lucidez da própria ignorância de Sócrates ao perguntar o que é, sem responder com a essência, e sim com os exemplos a respeito dos objetos indagados.

Com o neologismo criado da Teoria das Idéias, criado por Platão em suas obras classificadas como “de maturidade”, é que se têm o primeiro traço de caráter inteligível desses conceitos. Estes são incorpóreos, não materiais. São inteligíveis, e portanto, não são suscetíveis ao devir, pois não mudam, não evoluem, justamente por serem extramundano. Da mesma forma são insensíveis, ou seja, não são perceptíveis pelos cinco sentidos humanos. O que é inteligível só se pode apreender pela inteligência e não pelos sentidos. Não se fundamentam em si mesmo porque a essência não se muda. As essências são as idéias, que são imutáveis.

A teoria do conhecimento de Platão sobre o problema da relação entre a teoria e a prática se dá com a obra A República, de cunho político. Esta obra é a primeira utopia de Platão, ou seja, a primeira tentativa de idealizar uma realidade perfeita. A partir desta teoria das idéias (do conhecimento) e por conhecer a essência do mundo, o filósofo entende que pode formatar uma cidade ideal. No livro VII de A República, a relação de contemplação (teoria) e ação (prática) se dá com a contemplação valorizada, em detrimento e subordinação da atuação mundana, indissociável da ética, com a utilização da "Alegoria da Caverna".

A "Alegoria da Caverna" afirma que havia um muro bem alto separando o mundo externo e o mundo interno de uma caverna. Nessa caverna existia uma fresta por onde passava um feixe de luz externa. No interior da caverna permaneciam seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Estes ficavam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde eram projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantinham acesa uma fogueira. Pelas paredes da caverna também ecoavam os sons que vinham de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensavam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgavam que essas sombras sejam a realidade. Quando um desses prisioneiros conseguiu se libertar e, aos poucos, se mover e avançar em direção do muro e o escala, e após enfrentar dificuldades com os obstáculos e consegue sair da caverna, este descobriu não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, mas também todo o mundo e a natureza.

Para Platão, ao explicar a "Alegoria da Caverna", o interior da Caverna pode ser compreendido como o nosso próprio mundo. Nessa concepção, a luz é o exterior ao mundo corpóreo, às coisas, trata-se de uma realidade inteligível. Esse prisioneiro que conseguiu sair da caverna é a figura do filósofo, que tem acesso ao conhecimento, à essa luz exterior, à essa realidade inteligível.

A “Alegoria da Caverna” que Platão expõe no livro VII d’A República propõe que o filósofo após sair da Caverna necessita retorná-la. Quando o filósofo sai da caverna o mesmo encontra a possibilidade de contemplar idéias e ter encontrado a felicidade, conhecendo a justiça em si e o bem em si. A proposta é que o filósofo tenha a alma apegada às idéias do bem, que são supremas às todas as outras idéias e coisas, pois as ilumina e tem a mesma natureza da alma, da essência, e não a de objetos do mundo com suas constantes transformações.

É a partir desse contato com a Idéia do Bem que se pode construir conhecimento, ciência, episteme, uma vez que somente há conhecimento naquilo que é permanente, imutável, com as idéias. Na sua referência ao personagem Socrátes, Platão utiliza-se da figura do Filho do Bem, uma alegoria do Bem em si descoberto fora da Caverna, que desempenha o papel de gerar no mundo sensível resultados idênticos ao Sol no mundo das Idéias, cuja finalidade é iluminar todas as coisas, tornando-as inteligíveis.

A importância de o filósofo retornar à caverna é possibilitar que o conhecimento do Bem em si e da Justiça em si, que traz consigo, seja levado ao mundo das sombras existente no interior da caverna, podendo examinar as faltas existentes com o propósito de reordená-las. Assim, pode tornar esse mundo (a cidade ideal, a República) bom e justo, conforme as idéias de Bem e Justiça apreendidas na sua vivência extramundana, fora da Caverna.

Outra finalidade do filósofo ao retornar à Caverna é fazer-se sagrar rei, ou seja, ter assunção do poder político. Seu governo será um governo de um rei-filósofo, moldado pelas idéias, e a partir destas irá formatar seu governo. Suas ações serão sempre subordinadas ao ato da contemplação, tendo neste a sua finalidade por entender que as idéias são infinitamente maiores que as ações, que as coisas sensíveis.

Esse governo do filósofo que torna rei será tirânico, pois este é tido como uma autoridade e sabedoria divina, já que se considerará um deus em relação aos demais habitantes da Caverna desprovidos do conhecimento adquirido fora da Caverna. Será também eterno, imutável, inquestionável. Seu governo é caracterizado por uma tirania da razão, uma vez que existe uma distância entre o rei-filósofo que retorna à Caverna para governar e seus governados, súditos, regidos a partir de normas e padrões extramundanos e de conhecimento exclusivo do filósofo.

O filósofo também tem por motivo retornar à escuridão da Caverna por ter sido formado como filósofo pela Cidade, pois para Platão estes são educados pela cidade, e nada mais justo que, por conseqüência, retribua-lhes com a visão da verdade, descendo à habitação comum dos outros e habituando-se a observar as trevas. Assim, posteriormente, pode ser considerado melhor do que os que lá se encontram, pode entender cada imagem e o que representa devido já ter contemplado a verdade no que se refere ao belo, ao justo e ao bom, fora da Caverna.

Outra motivação de Platão para criar essa filosofia política é que o mesmo deseja criar com a apologia de Sócrates uma cidade com espaço para filosofo, uma vez que este último não encontrou condições de fazer existir a filosofia por ter sido condenado à morte.

Como conseqüência dessa motivação política há uma filosofia com fundamentação não histórica e nem política, como se pode pensar, mas sim com uma fundamentação extramundana, e por assim o ser, não é democrática, haja vista que o povo não poderá questioná-la, pois caso assim o faça, estará questionando as determinações divinas. É a existência de uma tirania da razão, conforme classifica a filósofa moderna Hannah Arendt, onde o transcendente é inquestionável.


OBSERVAÇÕES:

1. Este texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina “Introdução à Filosofia” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares. Produzido em 02/12/2011.

2. A primeira parte dessa série é introdutória, explicando a problematização da relação entre a teoria e prática. O conteúdo você acessa aqui

3. Na próxima parte iremos analisar a mesma problemática, a partir da nota sobre a vida teorética e vida política em Aristóteles.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA - PARTE 1 – INTRODUÇÃO


A Filosofia durante toda sua história debruça-se sobre uma das mais difíceis articulações que é a relação entre a teoria e a prática, ou seja, entre o pensamento e ação. Essa relação é considerada o maior problema da História da Filosofia e, por tal razão, justifica-se ser o objeto de estudos de vários pensadores.

Quando se fala da relação entre a teoria e a prática para solucionar um problema de um político podemos entender que a teoria está subordinada a prática, uma vez que esta última pode se alterar considerando-se a possibilidade de haver mudanças contextuais onde o político se encontra agindo.

Numa análise da mesma relação, porém com um cientista, novamente a teoria se submete à prática, já que os experimentos realizados podem demonstrar que os fatos apresentados numa teoria são parcial ou totalmente refutáveis.

Porém numa relação entre a teoria e prática para um religioso a relação de subordinação se manifesta diversa, uma vez que para um religioso a prática é o reflexo da teoria, da contemplação de um conjunto de normas e regras, tidas como verdades divinas, transcendentes e eternas, razão pela qual tais verdades são irrefutáveis e imutáveis, a tal ponto dessa ação ser moldada e orientada pela contemplação da teoria, do eterno.

Nesse sentido, pode-se compreender o conceito de teoria enquanto uma contemplação. Etimologicamente a palavra significa “a observação do divino”, do que ultrapassa a realidade humana, ou seja, a metafísica. A teoria, nesse sentido, se refere à inatividade do homem diante daquilo que lhe ultrapassa, que se apresenta extramundano. Por sua vez, a ação pode ser compreendida enquanto a práxis do humano diante daquilo que ele pode criar, produzir, reproduzir, fazer. A teoria seria o antônimo da ação, a primeira imutável, divina, transcendente e, a segunda, sob a possibilidade de alteração realizada pelo homem.

Compreender essa problematização sobre a teoria e a prática é entender a tradição que constituiu a civilização ocidental que fazemos parte. É compreender a necessidade de se ultrapassar o entendimento segundo o qual a teoria determina a prática (contemplação) para perceber a possibilidade da existência de uma teoria condicionada pela prática (política e científica), pela ação humana.

Para melhor compreender essa problematização da relação entre a teoria e a prática, nos próximos posts iremos analisar as contribuições de quatro grandes filósofos: Platão e Aristóteles enquanto representantes da Filosofia Antiga, Agostinho enquanto representante por suas obras da Filosofia Medieval, e por último, Maquiavel representando a Filosofia Moderna.

OBSERVAÇÃO: Este texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina Introdução à Filosofia da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares). Produzido em 01/12/2011