sábado, 14 de abril de 2012

HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA: PLATÃO – O MÉTODO DIALÉTICO E “O SOFISTA”

Busto de Platão no Museu do Vaticano



O material que abaixo apresento é a compilação das atividades avaliativas que realizei durante os estudos para a Disciplina “História da Filosofia Antiga I” do Curso de Licenciatura em Filosofia, na modalidade à distância, da Universidade Federal de Lavras.

O objetivo desta publicação é fazer com que tais atividades sirvam de estudos complementares tanto para mim como para outros alunos, estudiosos e/ou curiosos pela Filosofia Antiga, Platão, Método Dialético, O Sofista. 



MÉTODO DIALÉTICO: ETAPAS E RELAÇÃO COM A ERÍSTICA 


O método dialético de Platão é uma investigação em direção à euporia, ou seja, da verdade, da essência, através de procedimentos racionais metódicos. Tais procedimentos são condições, são estruturas para que o diálogo exista. Não existe, para Platão, diálogo sem método.

Nesse sentido, segundo a Carta VII, de Platão, o método dialético apresenta 5 etapas:

1) Nome: o nome dado, estabelecido de forma convencional, arbitrário. Utiliza-se o exemplo de círculo.

2) Definição: Composto de substantivo e verbo, é a definição dada ao nome. Para o exemplo do círculo, “o que tem sempre a mesma distância entre as extremidades e o centro”.

3) Imagem: É a figura corporal da coisa citada, “a forma em que se desenha e apaga, ou que se fabrica em torno e pode ser destruída”.

4) Ciência: É a opinião existente sobre a coisa citada. É “a inteligência, a opinião verdadeira, relativa a esses mesmos objetos”.

5) “A coisa conhecida e verdadeiramente real”: É a essência daquilo que está em busca no diálogo.

Ressalta-se que as quatro primeiras etapas são modos de conhecer o “ser”, a verdade. Assim, o nome, a definição, a imagem e a ciência constituem único grupo, pois todas são definições daquilo que se quer conhecer, já que todas residem na alma. Já a quinta é a verdade, é o próprio “ser” em si mesmo, conhecido como verdadeiramente real, que se unindo às demais etapas formam o conhecimento do ser. As quatro primeiras etapas formam o raciocínio lógico sobre o ser, são externas ao objeto. Já a quinta etapa reside no interior humano, é o próprio ser, a intuição.

O método dialético tem por finalidade descobrir a verdade, a essência da coisa. Difere-se da erística, porque esta é uma disputa que visa somente vencer uma questão, um diálogo, sem compromisso com a descoberta da essência, satisfazendo-se com a arte de discutir, de apresentar a dianóia, o discurso. O método dialético obtém, portanto, a finalidade de ultrapassar o pensamento discursivo (fim da erística) e chegar à visão direta da essência, a ciência perfeita do objeto. 


PARTE 1 – AS SEIS DEFINIÇÕES DE “O SOFISTA” COMO MOMENTO APORÉTICO DO DIÁLOGO: 


Visando a concretização do método dialético, no diálogo “O Sofista” de Platão, por intermédio da diaresis, depreende-se que o filósofo empregou sua capacidade argumentativa quando o estruturou com exemplificações dicotômicas, utilizando-se de divisões e definições que são paradoxais.

No primeiro momento de “O Sofista” há a apresentação dos personagens. Inicia-se com Teodoro, que consigo apresenta O Estrangeiro de Eléia. Sócrates saúda-o com ironia, ao sugerir a hipótese de sê-lo uma divindade que pode refutar as questões debatidas. A atitude de Sócrates demonstra sua posição cautelosa face aos conhecidos como sofistas, o que fez Teodoro reapresentá-lo como filósofo, sendo “mais modesto do que todos esses amantes de discussões” (PLATÃO, O Sofista).

Ao solicitar que o Estrangeiro explicasse-lhe a diferença existente entre políticos, filósofos e sofistas, Sócrates apresenta Teeteto como interlocutor, e a partir dessa interlocução entre Teeteto e o Estrangeiro se dá a estruturação de todo o diálogo, com vistas ao sentido filosófico.

Apresentada desde o começo do diálogo com a pergunta de Sócrates ao Estrangeiro, bem como a partir das explicitações dicotômicas por ele utilizadas, a diaresis – divisão por meio de dicotomias - possibilita o inicio da exploração do método dialético com a escolha do primeiro tópico, feita pelo o Estrangeiro, qual seja: a definição do que é o sofista.

Face à tamanha complexidade que é descrever o que seja na verdade o sofista, ambos convencionam a “exercitarem” primeiro um tema mais simples, com o objetivo de estarem prontos para, posteriormente, partirem para o mais complexo, e escolhem como início o tema “pescador com anzol”, partindo para as divisões dicotômicas ao extremo dessa escolha, onde cada definição sucede-se de uma divisão e uma subdivisão, com o escopo de ser formar grupos paradigmáticos, que justapostos consigam firmar o conceito que se deseja estabelecer.

Assim, o que a princípio parece absurdo, a especificação do que seja o sofista se faz a partir da compreensão do que há em comum entre o pescador e o sofista, com a fixação de seis paradigmas com as dicotomias apresentadas pelo o Estrangeiro quando de sua análise diaerética.

Iniciando com a arte de aquisição, a diaresis atribui ao pescador uma série de sequencias de conceituações por meio de indagações a seu respeito e elabora um esquema partilhado entre vinte divisões e subdivisões dicotômicas que, no final, elegem o pescador como “pescador com anzol”.

Dentro dessa arte de aquisição, ressaltam-se a arte de caçar com anzol; a caça a seres animados; seres aquáticos; caça por intermédio da fisga e por fim pesca com anzol.

Com o fito de definir o que seja o sofista, o Estrangeiro, em sua explanação por meio do diálogo, passa então a firmar a aparência entre o pescador e o sofista. Para tanto, o conceito de arte retorna ao conceito de debate, significando nesse momento a semelhança entre os objetos de análise, ou seja, “o sofista e o pescador de linha trilham a mesma estrada, a da arte aquisitiva. (PLATÃO, O Sofista).

Tal qual utilizou para definir o pescador com anzol, o filósofo mantém sua linha de raciocínio objetiva como método para analise do que seja o sofista, percebendo seis características que lhe são atribuídas: a de caçador interesseiro de jovens ricos, comerciante em ciências; pequeno comerciante de primeira ou segunda mão, erístico mercenário e refutador.

Não obstante, essas definições demonstraram ser insuficientes para suprir o que venha a ser sofista. Cada parte apresenta-se apenas em imagens, destituídas de uma realidade que seja plausível. O sofista é, então, descrito enquanto

Estrangeiro – (...) um animal de múltiplas facetas. Daí, confirmar-se o dito, de que nem tudo se pode pegar só com uma das mãos.
Teeteto — Pois empreguemos duas.
Estrangeiro — Sim, é o que precisaremos fazer, empenhando nisso todos os nossos recursos, a fim de acompanhar-lhe o rastro. (PLATÃO, o sofista)

Tal definição – “animal de múltiplas facetas” – reforça a mudança de método, uma vez que “o método de divisão, situado no inicio de uma pesquisa, não está muito mais informado, sobre o objeto analisado do que a imagem. (GOLDSCHMIDT, p. 158).

A mudança se faz necessária porque a diaresis apresentada até então ofereceu apenas um conjunto de diversas imagens, mas que não possibilitou unificá-las, abandonando o quadro dos gêneros nominais estruturados na pesquisa do “pescador com anzol”. 

O filósofo visando à mudança do método, passar a propor um critério acidental (a arte de purificar) comum tanto ao sofista quanto ao filósofo e a pesquisa atinge sua primeira aporia. (GOLDSCHMIDT, p 160).

Assim, conclui-se que a diaresis permanecera sendo o guia da dialética filosófica até esse momento, sendo necessário, no entanto, que se compreendesse o diálogo de uma forma que ultrapassasse as imagens, onde a aporia se transformasse em euporia, fazendo com que o diálogo realizasse o que projetou, a saber, entender o que seja o sofista.



PARTE 2 – A DEFINIÇÃO DO SER COMO DÝNAMIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS: 




A dialética filosófica, visando entender o que seria o sofista, deveria promover uma forma de diálogo que ultrapasse as imagens. Nesse sentido, o Estrangeiro e Teeteto entendem como necessário a existência de um “preceito unificador” de todas as imagens. A sexta imagem do sofista, como refutador, não possibilita o discurso sobre a Essência, sobre a Verdade, pois se define pela erística e não pela dialética. 

Assim, o sofista se vê indagando como triunfaria sobre o filósofo na discussão dialética sem se comprometer com a Verdade. Essa indagação se justifica porque os sofistas somente transmitiam certa “sabedoria aparente, pessoal” (Platão, 233c). Somente “dão (...) a impressão de serem oniscientes, mas não o são”, pois não é possível “que um homem saiba tudo”. Eles guardam “uma falsa aparência de ciência universal, mas não a realidade” (Platão, 233c). Isto é possível de se comprovar na medida em trabalha-se como a divisão da “arte da produção”, onde o produtor além de produzir, executa todas as coisas. A indagação é: como executar algo que é somente aparência? 

Nesse itinerário construído a partir da dialética entre o filósofo e o sofista, o último somente triunfa através da arte da imitação, sem compromisso com a verdade, na medida em que a “imitação” possibilita que suas seis definições-imagem (caçador interesseiro, negociante das ciências relativas à alma, varejista, produtor e vendedor das mesmas ciências, atleta do discurso erístico, refutador) sejam resumidas. A partir disto, pode-se considerar que estamos “diante da uma visão de conjunto que nos salva da ‘dificuldade’ em que a multiplicidade de aspectos do sofista nos enredara” (Goldschmidt, 2002, p. 162). 

O sofista enquanto imitador é um gênero participativo, pois suas definições-imagem denotam qualidades a seu respeito, mas não sua essência, não estabelecendo uma unificação necessária, razão pela qual “são ‘simulacros’ da noção definicional” (Gunella, 2011, p. 61) que se deseja encontrar. 

Por meio do diálogo, Teeteto e Estrangeiro explicitam que a imitação do sofista no discurso é ilusões, produzidas verbalmente, como simulacros transportados pela palavra e que “desaparecem em presença das realidades vivas” (Platão, 234e). Passam a delimitar sua arte da imitação, apresentando-a em arte de copiar (Platão, 235d-236b) ou em arte do simulacro (Platão, 236b-c), e concluem que a dificuldade residia justamente em saber a qual dos dois gêneros o sofista se filiou, pois este se esquiva da captura. 

No passo seguinte na relação dialética filosófica, entende-se que falar há a imitação por meio de imagens pelo sofista é verdade, o que significa o combate com Parmênides e Heráclito, em razão da questão do não ser. (Platão, 237a-241d), pois para aquele há uma relação entre “pensamento”, “linguagem” e “ser” enquanto identidade, razão pela qual não se é possível “pensar” e “dizer” sobre o não-ser. 

O Estrangeiro, então, tentando entender como aplicaria nome ao “não-ser”, atribuiu-lhe o predicado de “qualquer ser” (Platão, 237c-d), o que também não resultou em nada, pois “qualquer coisa” apresenta a existência de “ser”, momento em que Teeteto põe fim à discussão ao conferir positividade ontológica ao “não-ser” ao conferir o “não ser” ao “ser”, ao utilizar o “qualquer”. 

Teeteto rebate o princípio pelo o qual o Estrangeiro se refere de “como” mencionar o “não-ser” sem lhe atribuir nome. Ora, se ele pode ser predicado como “inexprimível, inefável, impronunciável”, o “não-ser” pode ser expressado “como unidade”. Teeteto então obriga o sofista a reconhecer a contragosto que, de alguma forma, o “não-ser” é, a partir do mesmo em que considera o não-ser enquanto uma imagem, um simulacro. Mesmo sendo uma imagem falsa, é uma imagem, pois é uma unidade, que reúne múltiplos objetos, cópias dos objetos verdadeiros. 

Como consequência há a refutação ao discurso de que o não-ser não existe, pois ele existe enquanto imagem, mesmo que não verdadeira do ser, razão pela qual afirmar sua inexistência é ser antagônico. Essa constatação é o parricídio, pelo Estrangeiro, da tese de Parmênides, pois se negar a existência do não-ser como a imagem da Verdade, é cair em aporia, uma vez que não se falaria da existência de imagens, cópias, de imitações e de simulacros. 

Metodicamente, o diálogo filosófico passa por um, segundo Goldschmidt (2002, p. 163), momento de “desvio essencial”, deixando de lado a análise da existência do “não-ser” pelo simulacro, para se dedicar às doutrinas que dedicam a explicar a existência do ser. 

Nesse sentido, as doutrinas pluralistas (Platão, 242b-244b) são lembradas pelo Estrangeiro que entende que a investigação passa pelo o que parece evidente, pelo ser, onde nestas doutrinas, o ser se torna “uno” com Xenófanes, “duplo” com Heráclito, “múltiplo” com Empédocles, não procurando definir seu oposto, a saber, o não-ser. Sua crítica resiste justamente no entendimento do ser enquanto todo, o que leva em consideração o ser não como um ser único, mas além de um ser único, como um todo. 

Já as doutrinas unitárias (Platão, 244b-245e) com Parmênides e Zenão, afirma que “o Todo é uno” e “que não há senão um único ser” (Platão, 244b). Sua crítica é encontrada nos nomes “uno” e “todo”. Se for uno não pode ser todo. Se for todo também não é uno, pois é formado por “partes”, não sendo uno, podendo ser divisível. Dessa forma, o ser ou é uno ou é todo. 

Considerando a aporia que precedeu a discussão sobre o que é “ser”, no diálogo filosófico entende-se como necessária a disputa entre “gigantes”, como foram classificados, de um lado, os que identificam o ser enquanto corpo, os materialistas, e de outro lado, os que identificam o ser como inteligível, os amigos das formas. 

Os materialistas entendem que o ser é uma realidade que possui um corpo animado, ou seja, que possui uma alma, podendo ser justa ou injusta. Essa consideração refuta o entendimento por incorporar coisas incorpóreas, como os sentimentos, às coisas corpóreas como é o ser, momento em que o Estrangeiro propõe uma definição do ser enquanto mobilistas e estáticos, ponto ápice desse itinerário. 

Nesta definição o ser é um poder, uma potência (dýnamis) para ação, para o agir, ou para a paixão, ou seja, para a passividade que resulta de um poder/potencia que ocorre no encontro de dois objetos. Nesse sentido, o Estrangeiro propõe que o ser é


o que naturalmente traz em si um poder/potencia (dýnamis) qualquer ou para agir sobre não importa o quê, ou para sofrer a ação, por menor que seja, do agente mais insignificante, e não por uma única vez, é um ser real; pois afirmo, como definição, capaz de definir os seres, que eles não são senão um poder/potência (dýnamis) (Platão, 247d-e).


Assim é necessário que haja o consenso com os materialistas, para reconhecer “a existência da virtude incorpórea”, a “existência das Formas” (Goldschmidt, 2002, p. 166), bem como até onde essa concessão sustenta a noção definicional do ser. A partir da aceitação dos “amigos das formas”, da virtude incorpórea do ser, há a distinção entre o devir e o ser, entre o corpo e alma, sensação e pensamento. 

Como consequências dessa classificação do ser enquanto poder/potencia, como dýnamis, os idealistas admitem a definição do ser como “devir”, e aceitam, pela concessão feita pelo Estrangeiro, de que o ser é também sofredor de paixão, ou seja, é mutável. 

Outra consequência foi os amigos da forma aceitar que o ser é também inteligência e alma, pois ao ser um ser universal, possui inteligência, vida e alma, o que ratifica a existência de translação e movimento, ratificando o ser enquanto potência de ação e de paixão, de que lhe é concedido o movido e ao movimento. 

Ser inteligente e ter alma significa ser imóvel e ter movimento ao mesmo tempo, ponto de uma terceira e ultima consequência, a eliminação da ciência, do pensamento claro, ou da inteligência (Platão, 249c), precisando conciliar essas duas facetas do ser – imóvel e movimento –, tais como crianças “que querem ambos ao mesmo tempo, admitindo tudo o que é imóvel e tudo o que se move, o ser e o Todo, ao mesmo tempo” (Platão, 249c-d). 


PARTE 3 – A COMUNIDADE DE GÊNEROS, A EXISTÊNCIA DO NÃO-SER, O DISCURSO FALSO E A DEFINIÇÃO FINAL DO “SOFISTA”. 


No itinerário argumentativo do diálogo O Sofista, Teeteto guardou a ilusão do “ser” enquanto dýnamis, definindo-o como “potência de ação e paixão”. Não obstante, tal definição é aporética na medida em que se admite o “ser” como um ser que “não se move”, embora “não esteja parado”, e de igual forma, que está em “movimento” ainda que nunca esteja “quieto”, em repouso (PLATÃO, 1972, p. 250d). 

A comunidade dos gêneros se dá a partir do momento em que a discussão dialética entre o Estrangeiro de Eléia e Teeteto enfrenta o problema da relação entre “unidade” e “pluralidade”. Nessa predicação, busca-se compreender a associação entre os gêneros, onde o “ser” guarda emergência com aquele ao qual há potencial associação. 

No caso específico, essa predicação se dá pela atribuição de uma “pluralidade de nomes” para “uma única e mesma coisa” (Platão, 251a). Aparentemente, tal como é “impossível que o múltiplo seja um e que o uno seja múltiplo (Platão, 251b), é impossível verificar a união de qualquer coisa a outra coisa, como unir “o ser repouso e ao movimento”. 

A participação mútua entre os gêneros, portanto, apresenta três hipóteses como conseqüências, a saber: 

a) Nada se une a nada: Entende que o “movimento” e o “repouso” do ser não guardam “comunidade com a existência” (252a), o que significa dizer que não existem. Não há predicação que expresse o que já não esteja contido no “ser”. 

b) Tudo se une a tudo: Entende que o “movimento” e o “repouso” se unem mutuamente, o que significa afirmar a existência do “movimento (...) imóvel e o repouso móvel” (Platão, 252d, in Gunela, 2011, p. 81), o que faz com que seja descartada. 

c) Alguma coisa se une a alguma coisa: Apresenta-se na definição de Goldschmidt (2002, p. 170) como uma “hipótese média”, pois diferentemente das primeiras que são excludentes e alternativas, consegue guardar “comunidade com a existência”, mas não entre si. 

A compreensão dos gêneros, portanto, inicia o método dialético para que se possa definir o “não-ser”, bem como para capturar o sofista. Tal método, a par dessa “imagem” dos gêneros pode investigar, respectivamente, a participação entre as formas, a ciência em que a apreende, o discernimento entre o filósofo e o sofista, entre o gênero “ser” e o “não-ser”, o que culminará na compreensão do discurso falso e na definição final do sofista. 

Partindo do “exemplo pequeno” para chegar ao “tema grandioso”, utiliza-se do caso das “letras” para afirmar a comunidade entre os gêneros vocálicos e consonantais, através da arte que, no caso, é a gramática. Nessa “comunidade de gêneros” se faz necessário saber qual a ciência que lhes confere conhecimento e quem é o seu especialista. 

Por essa ciência serão investigados tais questionamentos com o objetivo de se chegar à definição do “não-ser”. Dúvidas sobre o discurso, a exatidão dos gêneros concordantes, a continuidade de combinações ou as divisões entre os conjuntos são exemplos de objetos dessa ciência dialética, definida por Platão (253d) como a arte de “dividir assim por gêneros, e não tomar por outra, uma forma que é a mesma, nem pela mesma uma forma que é outra”. 

Seu especialista não pode ser o sofista, porque “este se refugia na obscuridade do não-ser”, e essa “forma única repartida através de pluralidade de todos e ligada à unidade”, se refere ao “ser”. O filósofo, por sua vez, encontra dificuldades porque com seus raciocínios se dirige “à forma do ser”, impedindo-o de que veja com facilidade. 

Goldschmidt aponta o ápice da discussão dialética neste ponto, pois entende que o “ser” não pode ser descrito. O filósofo apenas “vislumbra o resplendor dessa região”. O “ser” então é apreendido pela diánoia (intuição) e não pela nóesis (pensamento discursivo). Essa apreensão/classificação do “ser” enquanto dýnamis (potência) visa um procedimento dianoético, onde o pensamento discursivo se dá a partir da apreensão do ser pela intuição. 

Essa noção definicional do ser enquanto dýnamis tem a função unificadora, pois orienta o pensamento para a intuição, sendo compreendida, na lição de Goldschmidt (2002, 172) como aquela definição que “ocupa o lugar de determinação”. 

Outra ressalva sobre a definição do “ser” como dýnamis, seja de ação ou de paixão, respectivamente movimento e repouso, é atribuída ao “ser” com a conotação de “ser universal”, ou seja, aquela que “confere o traço comum de existência para todas as coisas” (Gunela, 2011, p. 85). 

Tendo a ciência dialética como a ciência suprema, o Estrangeiro passa no itinerário dialético a pesquisar a relação entre as formas e a averiguar se o “não-ser” realmente inexiste. Para tanto, ele discrimina algumas formas, por entendê-las como mais importantes. São os gêneros: "o próprio ser", o "repouso" e o "movimento", onde os dois últimos não se associam. 

Com o intuito de explicar a relação entre tais gêneros, o Estrangeiro apresenta a noção definicional de “mesmo” enquanto identidade, e de “outro” enquanto alteridade. Nestes ("mesmo" e "outro"), o "movimento" e o "repouso" participam, quer do "mesmo", quer do "outro". Já o “mesmo” não pode se identificar com "o próprio ser". E, por sua vez, "o próprio ser" e o “outro” são sempre diferentes. 

A partir da definição do “outro” enquanto alteridade é que ocorre o “desvio essencial”, ao chegar-se a uma definição da existência do “não-ser”, consagrando o “parricídio” da doutrina de Parmênides. Definido o “não-ser” como alteridade relacional, o “não-ser” é. Por sê-lo, é pensável, dizível, exprimível, pronunciável. A definição do “não-ser” refere-se a “alguma coisa de diferente” ao “ser” e não “o contrário” do “ser”. Nessa perspectiva, o “não-ser” tem a natureza do “outro”, que é “una”. 

Essa definição da existência do “não-ser” enquanto “outro”, enquanto parte, possibilita capturar o Sofista, que o usa para favorecer seu erro, demonstrando a existência do não ser. O discurso falso, ao longo do diálogo, é atacado pelo Estrangeiro, para que se dê atenção à verdadeira dialética e não à erística, onde não se observa as relações de contrariedade existentes. 

O erro do discurso está justamente quando este associa a si o “não-ser”. Dizer que o “não-ser” pode ser pensado enquanto “o outro” significa que ele é discursivo, e o “paradoxo do falso” é utilizado no discurso, para enunciar, representar o “não-ser”. Nesse sentido, o sofista não consegue se defender, caso alegue que o erro está no discurso e na opinião (260d), uma vez que na “arte do simulacro”, o sofista é especialista. 

Nessa dificuldade de se capturar o sofista, o itinerário dialético passa a analisar se o discurso e a opinião são verdadeiros, ou se o “não-ser” a eles se prende. Para tanto, utiliza da relação entre os “nomes” e os “verbos”, sendo os últimos entendidos como “ação”. Nesse sentido, entende-se que o discurso é “proposicional”, na medida em que há a união entre sujeito e o predicado, ou seja, com a ação. 

Outra conclusão a que chegam diz respeito à qualidade do discurso, podendo tanto ser verdadeiro, como ser falso. Entendem que “o pensamento, a opinião, a imaginação, são gêneros suscetíveis, em nossas almas, tanto de falsidade como de verdade” (Platão, 236d). 

Por fim, após concluírem como provada a possibilidade da existência do falso no discurso e na opinião, entendem que ao Sofista é proibido objetar o “não-ser” como participante do discurso, da opinião, e de igual forma, o “ser” da arte do simulacro. 

A partir do esquema da divisão definicional do sofista, a definição final do sofista é aquela que passa pela “arte de produção de imagens”. Essa arte, de contradição, fundamenta-se na opinião que faz parte da mimética, ao produzir simulacros, imagens, tendo o discurso como recurso de domínio próprio para fazer tais ilusões, afirmando ao que parece como sendo a verdade, o que explicita a “raça e o sangue” (Platão, 268c-d) do que seja um autêntico sofista. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 


GOLDSCHMIDT, V. Os Diálogos de Platão: Estrutura e método dialético. Trad. Macedo. D. D. São Paulo: Edições Loyola, 2002. p. 168-173. 

GUNELLA, Elis Joyce. História da Filosofia Antiga I: Guia de Estudos / Elis Joyce Gunella, Luiz Marcos da Silva Filho. –Lavras: UFLA, 2011. p. 78-95. 

PLATÃO. Sofista. Trad. Paleikat, J.; Costa, J. C. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972, 216a-231c.


OBSERVAÇÕES:

1 - Este texto é uma compilação que fiz a partir das atividades dissertativas da disciplina "História da Filosofia Antiga I" do Curso em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras / EAD Campus Governador Valadares. Produzido em 14/04/2012.


2 - Leia também o artigo:
"Sobre a relação entre Teoria e Prática na História da Filosofia por Platão" clicando aqui.

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