quinta-feira, 25 de outubro de 2012

LÓGICA II - PARTE III: A LÓGICA NA FILOSOFIA DE PEIRCE



Charles Sanders Peirce (Cambridge, Massachusetts, 1839) é filho de Benjamin Peirce (1809-1880), que contribuiu para definir a matemática como a “ciência que tira conclusões necessárias”, onde a matemática pode ser utilizada para estudar a lógica.

Pierce durante muito tempo estudou para saber qual era o melhor lugar para a lógica dentro do quadro das ciências. Ele define a lógica como semiótica, ou seja, como uma teoria geral dos signos. Para tanto, classifica as ciências de acordo com suas finalidades precípuas, não havendo, porem, relação de subordinação entre elas. Trata-se de uma classificação lógica (as mais gerais fornecem princípios para as menos gerais e estas fornecem dados e a informações às gerais) e aberta.

Entendia que ciência é um modo de vida social comunitário, com um propósito único, por meio da cooperação entre os indivíduos. Fazer ciência é, primordial e principalmente, querer corrigir os próprios erros e descobrir a verdade.

Pierce classifica as ciências em:

a) heurísticas – visam descobrir coisas novas;

b) da revisão – visam organizar e sistematizar o conhecimento descoberto;

c) práticas – visam aplicar o conhecimento.

Dentro das ciências heurísticas, ou seja, aquelas que visam descobrir coisas novas, Pierce as apresentam na seguinte classificação:

1) Matemática
1.1. Lógica
1.2. Das séries discretas
1.3. Dos continua e pseudocontinua.

2) Filosofia
2.1. Fenomenologia
2.2. Ciência normativa (estética, ética, lógica)
2.3. Metafísica (geral ou ontológica, psíquica ou religiosa, física).



A primeira ciência seria a matemática, a segunda seria a filosofia. A lógica é um tipo de investigação filosófica especial para Peirce. Faz a classificação em termo de generalidade, de objetivo, de tipo de estudo, de tipo de descoberta que essas ciências proporcionam. A lógica aparece como subclasse da matemática e da filosofia.

Peirce entende a matemática como a ciência que constrói modelos formais hipotéticos para depois se extrair conclusões necessárias dedutíveis. É possível utilizar os raciocínios e descobertas matemáticas em qualquer campo, em qualquer área, sem que seja qualquer campo específico. Pode ser usada em maneira geral para descrever qualquer estado de coisa. Ela é a ciência que fornece fundamentos básicos, lógicos para todas as demais ciências. Difere-se da investigação lógica porque enquanto a matemática se pauta pelo principio da economia, a lógica quer determinar todos os passos necessários para se chegar a uma conclusão. A investigação filosófica lógica possui um caráter retórico do raciocínio.

Já na análise da filosofia, a segunda ciência mais geral de todas, a lógica é uma parte da investigação. A lógica é a semiótica propriamente dita, é a ciência que aponta as condições gerais dos signos serem signos. A filosofia, também chamada de cenoscopia, somente é superada pela matemática, a mais geral de todas as ciências, na visão de Pierce.

A filosofia lida com os fatos comuns e aprende com a experiência. Começa com um estar no mundo, permeado de senso comum, ou seja, concepções que não apresentam razões para se duvidar delas, de tão imerso em que se está quem a analisa. O senso comum, portanto, é acrítico, pois não se pode duvidá-lo ou questioná-lo. Pode-se somente investigar pela lógica se são válidos ou inválidos. A filosofia pode também ser entendida como a ciência do embate com a experiência, no que ela tem de universal, corriqueiro, mas também de perturbador e resistente.


3.1. A filosofia como fenomenologia:

A primeira subclasse da filosofia é aquela que a compreende como fenomenologia, também chamada de faneroscopia, o estudo do fenômeno. Enquanto fenomenologia é o estudo daquilo que é manifesto, independente se é de fato ou ficcional. Não é a ciência somente daquilo que aparece, mas também daquilo que parece ser de certa maneira. Não se interpreta a experiência para entender o que ela diz a respeito do mundo exterior, apenas inspecionasse seus elementos, com base na observação e na descrição de seus elementos.

Pierce distingue a fenomenologia em três categorias:

a) Primeiridade: tudo aquilo que é por si mesmo, sem relação com nada outro (um tom de cor);

b) Segundidade: tudo aquilo que é em relação ao outro (um fato bruto);

c) Terceiridade: tudo aquilo que é a mediação entre um primeiro e um segundo (uma lei ou um símbolo).


3.2. A filosofia como ciência normativa:

Nessa outra subclasse da filosofia estudam-se as ciências normativas. Trata-se da análise das condições de se obter algo que tenha como um de seus elementos essenciais um ideal. São investigações sobre as maneiras para alcançá-lo. São normativas porque seguem uma norma, um parâmetro, para se chegar a esse fim. O duelo existente é o fato bruto da segundidade, ou seja, o dualismo filosófico entre o ser e o dever-ser.

São as seguintes ciências:

a) Estética: ciência que busca determinar a distinção entre o que é admirável em si mesmo e do que não é. Para tanto, estuda os fundamentos ao estabelecer o admirável em si mesmo. O que se almeja por si mesmo e não por conta de outra coisa. A finalidade última achada admirável por si mesmo.

b) Ética: ciência que busca determinar como se deve agir de moto que as ações sejam em si mesmas admiráveis. Para tanto, estuda-se as condições da conduta deliberada para ser um ideal admirável por si mesmo. Assim, a ética depende da estética.

c) Lógica: ciência que estuda o pensamento deliberado na medida em que ele é uma forma de ação deliberada. A lógica depende da ética porque pensar é uma ação. A lógica estuda as condições de se pensar a verdade, que é o ideal mais admirado.

Nesse sentido, a lógica é SEMIÓTICA, porque estuda a fenomenologia de todas as espécies de signos (estética, ética e lógica). Pode ser considerada com a ciência das leis gerais dos signos, porque todo o pensamento é realizado por signos, ou seja, toda e qualquer expressão do pensamento.

Pierce afirma que a lógica semiótica apresenta três ordens, que ratificam o caráter retórico da investigação filosófica lógica:

a) gramática especulativa: onde se estuda os modos de significar, fazendo que os signos sejam signos, e as várias linguagens em que as asserções são feitas.

b) crítica ou retórica especulativa: onde se estuda o uso efetivo de formas significativas, onde se tem as condições efetivas de significação.

c) metodêutica: onde se estuda os métodos e os procedimentos para o pensamento expressar a verdade.


3.3. A filosofia como metafísica:

Por fim, nessa subclasse, entende-se que a metafísica busca interpretar o universo da mente e o universo da matéria. Busca dizer a realidade em seus traços e características mais gerais. Pierce entende que nesse caso, a metafísica carecia, em sua época, de um rigor e parâmetros científicos.



3. 4. Os três tipos de raciocínios e a natureza da dedução



Na analise da lógica semiótica, na parte da metodêutica, pode-se analisar as formas de inferências, a saber: dedução, indução e abdução (ou hipóteses). Peirce classifica as deduções de silogismos apodíticos e a indução e a abdução de silogismos prováveis. Essa diferenciação se dá em razão da dedução ser a única inferência que se pode ser chamada de necessária, porque toda a informação relevante possível para se chegar à conclusão está contida nas premissas.

Um silogismo dedutivo é aquele que sua validade depende incondicionalmente da relação do fato inferido com os fatos colocados nas premissas. A dedução é uma inferência analítica, pois o resultado não foge à regra. Sua forma é: Regra + Caso = Resultado.


Regra:
Todos os feijões dessa sacola são brancos
Todo S é P
Caso:
Estes feijões são dessa sacola
M é S
Resultado:
Portanto, estes feijões são brancos
Portanto, M é P


Já a indução é um silogismo provável que consiste na inferência de uma regra geral baseada na observação de um resultado de certo caso. Infere uma conclusão de generalidade maior do que a premissa, numa operação que permite passar da determinação da existência para a virtualidade do possível. É o inverso da dedução. Sua forma é: Caso + Resultado = Regra.


Caso:
Estes feijões são dessa sacola
M é S
Resultado:
Estes feijões são brancos
M é P
Regra:
Portanto, todos os feijões dessa sacola são brancos
Portanto, todo S é P


Por fim, a abdução ou hipótese é uma inferência de um caso particular com base na regra geral e no resultado provável da aplicação da regra ao caso. Sua forma é: Regra + Resultado = Caso.


Regra:
Todos os feijões dessa sacola são brancos
Todo S é P
Resultado:
Estes feijões são brancos
M é P
Caso:
Portanto, estes feijões são dessa sacola
Portanto, M é S


Conclui-se que substituindo os lugares dos sujeitos e dos predicados, podem-se obter diferentes tipos de raciocínio.


Inferências
Premissas
Conclusão
Dedução
Regra + Caso
Resultado
Indução
Caso + Resultado
Regra
Abdução
Regra + Resultado
Caso


Para Peirce, esses três tipos de raciocínios são os únicos válidos. A diferença entre a dedução e a indução e a hipótese é que a dedução não aumenta o conhecimento, por isso sendo um silogismo necessário. Já a indução e a hipótese aumentam o conhecimento, razão pela qual são silogismos prováveis.

Ressalta-se que posteriormente Peirce modificou sua análise acerca da dedução, não sendo a conclusão mais necessária, e sim provável, pois pode haver alguma falha em seguir o principio lógico da dedução. Teoricamente, o erro na dedução é impossível, porém pode haver erros no raciocínio de probabilidade, bem como na percepção e experimentação.

Peirce considera a dedução como definidora do raciocínio matemático. Este é entendido como o conhecimento das implicações dos estados de coisas hipotéticas, pois as construções matemáticas podem ser aplicadas em qualquer situação de fato. Por fim, difere que a dedução matemática há dois tipos de deduções, a teoremática (aquele que se pode deduzir algo novo, com caráter heurístico) e a corolarial (a dedução formal matemática).


3.5. Os três estágios da investigação científica e a relação entre indução e abdução:

Em 1910, Peirce entendeu que as formas de inferências não são somente formas, mas também estágios de investigação científica. Nesse sentido, a indução deixa de ser uma inferência ampliativa do conhecimento e se torna um teste empírico, ficando somente a abdução como possibilidade de ampliar o conhecimento.

A indução é entendida como inferência que vai da parte para o todo de um determinado conjunto de casos, sem possibilitar novas descobertas sobre outros conjuntos de casos. A indução é um raciocínio que permite reconhecer o que é verdadeiro acerca do todo, ao reconhecer uma característica geral verdadeira das partes.

Pierce classifica-a em três tipos diferentes:

a) crua ou rudimentar: onde simplesmente concluísse que a experiência futura será como a passada, quando se apresenta o máximo possível de evidências suficientes para se abandonar a hipótese inicial.

b) qualitativa: quando se usa um método hipotético-dedutivo de verificação de teorias, fazendo uso de probabilidades e amostras (onde se analisa aleatoriamente critérios estabelecidos de reconhecimento)

c) quantitativa: busca determinar uma quantidade, medindo o grau de concordância da teoria com os fatos. É considerada como a mais forte para se induzir conclusões, pois serve para medir as probabilidades de maneira precisa, levando-se a uma resposta verdadeira, mesmo que estatisticamente, razão pela qual que toda a prova indutiva é somente uma prova provisória.

Ressalta-se que esses estágios não são auto-implicativos, pois pode acontecer a fusão de métodos, onde a abdução permite formular hipóteses, das quais se deduz e tiram-se conclusões, que podem ser indutivamente testadas. De igual forma, ressalta-se que para Peirce, a abdução é o inicio da atividade cientifica. É o primeiro passo da inquirição cientifica porque parte de uma surpresa na experiência para chegar à hipótese que a explica.


Os três estágios da investigação científica
Abdução
Formulação de hipóteses
Dedução
Conseqüências necessárias
Indução
Teste


3.6. Pragmatismo como lógica da descoberta:


A imaginação de hipóteses é o primeiro passo fundamental da ciência na busca pela verdade. A abdução é a única operação lógica com essa potencia heurística. O procedimento retrodutivo de imaginar hipóteses é o único dotado de potência heurística originária. A abdução é a única operação lógica que introduz qualquer idéia nova, meramente sugere que algo pode ser. Ela não confere necessidade alguma às hipóteses que sugere.

A dedução é o único raciocínio necessário. É o raciocínio da matemática. A indução é o teste experimental de uma teoria e sua justificação é que, embora a conclusão em qualquer estágio da investigação possa ser mais ou menos errôneo, ainda assim a aplicação posterior do mesmo método deve corrigir o erro, determinando o valor de uma quantidade. Já a abdução consiste em estudar os fatos e em inventar uma teoria para explicá-los. Sua justificativa é que, se tivermos de entender as coisas, deve ser desse jeito.

Porém, é necessário testar empiricamente a validade da abdução. Isso é o pragmatismo do método lógico da abdução. Termo criado por Peirce em 1878, que o considerava um método de esclarecimento conceitual, significa que um método para esclarecer os pensamentos e estabelecer significado de conceitos: a significação é dada pelos efeitos práticos concebíveis que uma idéia, ou um termo ou expressão conceituação qualquer prediz.

Para cada tipo de inferência corresponde uma modalidade lógica: à dedução, estabelece raciocínios necessários; indução, raciocínios prováveis; abdução, delimita uma expectação, uma hipótese relativa à conduta futura dos fatos.

O processo abdutivo de estabelecer uma hipótese inicia-se com o reconhecimento de um fato surpreendente, do qual é necessário dar uma explicação inteligível. A surpresa é uma regularidade imprevista, ou seja, certa regularidade de acontecimentos estranhos, que fazem com que se leve a explicá-los.

Essa máxima pragmática é um método que relaciona probabilidade e a plausibilidade das hipóteses com a sua possibilidade de descrever a experiência. Para tanto, utiliza-se como regra a cautela e prudência na adoção de hipóteses. Tal inferência deve sempre se desenvolver em uma conexão argumentativa mais ampla, pois possibilita alcançar a plausibilidade das hipóteses e potencializa o processo heuristicamente, indo além dos limites da mera experiência factual. Assim, com a criação de hábitos de condutas capazes de orientar uma conduta futura, existindo uma convergência entre a forma de conceito e o curso da experiência possível no futuro.

O pragmatismo abdutivo é uma maneira de acertar a verossimilhança das hipóteses com os fatos, bem como de mediar a construção de idéias de conduta racional. Nesse sentido, a abdução é o inverso da indução. A abdução começa nos fatos e busca encontrar uma teoria que os explique. Já a indução parte de uma hipótese explicativa para a busca dos fatos que a sustentem.

Assim, conclui-se que para Peirce não há conhecimento estritamente infalível. Existem graus variáveis de probabilidade de que determinadas teorias continuarão prevendo o curso dos acontecimentos. À investigação compete a tensão da tradição com a mudança, da invenção e o reconhecimento. O confronto com a experiência promove modificações ou invenções de novas teorias, porém não apresenta exatamente o que deve ser feito, nem como. Isso é a atribuição do investigador.


VEJA TAMBÉM:




BIBLIOGRAFIA:

RODRIGUES, Cassiano Terra; SOUZA, Edelcio Gonçalves de. Lógica II: Guia de Estudos. Lavras. UFLA. 2012.


OBSERVAÇÃO:

Esse texto é um resumo que produzi com o material de aula da disciplina 'LÓGICA II' da Graduação em Licenciatura para Filosofia - Universidade Federal de Lavras / EAD - Polo UAB Governador Valadares, produzido em 25/10/2012.

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