sábado, 4 de maio de 2013

ÉTICA II – DAVID HUME E A TEORIA SOBRE O SENTIMENTO MORAL NA FILOSOFIA MODERNA


O presente estudo visa conhecer a filosofia moral de David Hume (1711-1776), para compreender alguns aspectos fundamentais de sua teoria sobre o sentimento moral, focando em duas partes do Tratado sobre a natureza humana. 


Introdução: 

O Tratado sobre a natureza humana é amplo, por isso aqui se faz um recorte sobre os problemas da liberdade. Hume é britânico, empirista, e entende que toda a forma de conhecimento se dá por meio da experiência. Aponta um privilegio sobre o papel das percepções como aquilo que descreve os conteúdos mentais que o sujeito é possível. 

Hume vai delinear a moral com a relação entre vontade e paixão, com a relação entre a necessidade e a liberdade, e a partir disso o papel delas com a vontade. Entre como paixões diretas as impressões que resultam por alguma outra coisa, não sendo inatas, onde o bem ou mal podem causar essas paixões. A vontade tem papel fundamental. Se não é propriamente uma vontade, qual é o seu papel? Como pode haver uma relação de uma paixão e vontade numa moral? 

O filósofo entende a vontade como um conteúdo moral que deve ser pautado pela percepção. Na seção 2 da obra analisada, Hume apresenta quais as origens das ideias e como os conteúdos mentais estão presentes na mente humana. Eles, os conteúdos mentais, são percepções, se dividindo em impressões e ideias. O que as difere é a vivacidade. As impressões são mais vivas. Já as ideias são cópias enfraquecidas daquilo que são as impressões. Separam-se, portanto, pelo grau de vivacidade. Também se separam pela anterioridade, onde as ideias surgem pelo o que as impressões determinam. O filosofo entende também que há diferentes tipos de impressões e ideias, podendo ser simples e compostos. 

As impressões e as ideias correlatas não possuem ligação entre as impressões e ideias, o que há é uma operação mental que as vincula: trata-se da imaginação, onde de forma livre, estabelecem-se essas ligações entre impressões e ideias. É a plena liberdade de correlacionar, criando ideias compostas sem ter impressões compostas. 

Essa conexão é determinada pela imaginação por 3 modos fundamentais: 

a) associação de ideia simples e impressão simples por semelhança: ver uma foto + pessoa que conheço; 

b) por continuidade espaço-temporais: o percurso que faço, sei o que há do lado do local onde estou; 

c) causa-efeito: não há nenhuma relação entre causa e efeito. É uma imaginação feita pela experiência da repetição da sucessão desses eventos. Torna-se presente por uma impressão determinada, impressões que estão ausentes. Exemplo: o fogo causa calor, mesmo que a distancia, não sinta o calor. 

Essa relação é arbitraria pela imaginação, que se inclina a fazer uma inferência, pelo habito da experiência. 

Na análise da vontade há o problema da necessidade e liberdade. Vontade é um tipo de impressão presente no entendimento humano, sendo um equívoco esforçar descrevê-la de forma acabada. Deve-se somente considera-la como impressão. A sua relação com necessidade e liberdade considera objetos externos e necessários. Não há qualquer registro do acaso. Não se tem acesso à necessidade de relação dos objetos, o que não significa que eles não existam. 




01 – O estabelecimento de identidade entre as relações que a mente infere entre corpos externos não dotados de vontade e as relações entre as ações dos corpos dotados de vontade: 

Para Hume a mente tem um funcionamento que reage às percepções, podendo ser estas as impressões e as ideias. Todas as ações humanas decorrem das percepções. O filósofo propõe explicar as paixões diretas, ou seja, como pela percepção dos sentimentos (como o bem e o mal, a dor e o prazer, o amor e o ódio, etc) pode-se explicar a vontade humana. Nesse sentido, a vontade humana possibilita compreender esses sentimentos, e é “a impressão interna que sentimos e de que temos consciência quando deliberadamente geramos um novo movimento em nosso corpo ou uma nova percepção em nossa mente”. 

É a partir da vontade que Hume passa a analisar as relações inferidas pela mente, seja com os corpos externos, que não são dotados de vontade, seja entre as ações dos corpos que são dotados de vontade. Para tanto, ele considera as questões que envolvem a necessidade e a liberdade. 

Assim sendo, o filósofo reconhece que as operações dos corpos externos são ações necessárias, sem nenhum traço de liberdade. Tudo que esteja na mesma situação da matéria, ou seja, as dos corpos externos, devem ser vistas como ações necessárias. Isto porque a mente só tem conhecimento de uma união constante que produz essa necessidade. E essa conjunção uniforme e regular é que produz a ideia para a mente da relação de causa e efeito. Essa união constante de causa e efeito produz essa inferência na mente sobre os corpos externos de que eles agem sobre uma necessidade regular e uniforme. 

A ideia de causa e efeito é fruto dessa necessidade, dessa identidade entre as relações dos corpos externos não dotados de vontade. E isso é uma determinação da mente que infere a existência da necessidade desses corpos externos de se unirem, como causa e efeito. Essa união ocorre por não se conseguir ter uma visão direta da essência desses corpos. A experiência, portanto, faz existir a inferência de que as ações desses corpos possuem uma união constante com os motivos, os temperamentos e as circunstâncias que os envolvem. A experiência possibilita dessa inferência de que causas semelhantes sempre produzem efeitos semelhantes, do mesmo modo que na ação mútua dos elementos e poderes da natureza. Tal regularidade é reconhecida como exemplo da necessidade e da existência de causas nos corpos externos. 

A necessidade tem por essência a uniformidade das ações do curso geral da natureza humana, que é conhecida pela mente humana. A uniformidade das ações humanas fundamenta essa união necessária, essa conexão regular. Ao se julgar as ações dos corpos dotados de vontade deve-se ter a mesma base das máximas que são utilizadas ao se julgar as ações dos corpos externos, ou seja, é preciso considerar que há uma uniformidade das ações humanas como regra, e as exceções que ocorrem quando há uma conjunção que varia dessas experiências constantes, devem ser vistas como acaso e com indiferença, e é fruto do conhecimento humano imperfeito, mas nunca tendo como explicação as próprias coisas que variaram, as quais necessariamente deveriam acontecer de forma igual constantemente. 

Pode-se então concluir que essa identidade das relações que são inferidas pela mente entre os corpos externos não dotados de vontade e entre as ações dos corpos dotados de vontade, é a união entre os motivos e as ações, que possuem a mesma constância, sejam nas ações humanas, sejam nas operações naturais. 

Noutras palavras, a necessidade de união é igual entre os motivos e as ações humanas e nas operações naturais. E de igual forma, a necessidade é a mesma na influencia sobre o entendimento, onde há a inferência da existência de uns da existência dos outros, não havendo espaço para a liberdade. E essa é uma evidencia moral, ou seja, uma conclusão acerca das ações humanas, onde todos os atos da vontade decorrem dessa necessidade que também existe. A relação de causa e efeito necessária é fruto da inferência pela experiência. É uma conclusão da percepção da mente, que infere tal união como necessária, porque deriva dos mesmos princípios e tem a mesma natureza. 

Nesse contexto, a liberdade é o acaso, pois para ela existir é preciso suprimir a necessidade, que tem como essência a causalidade, a relação necessária existente, seja entre os corpos externos ou entre as ações dos corpos dotados de vontade. 



02 – As três razões para a prevalência da doutrina da liberdade: 

Considerando que a identidade das relações que são inferidas pela mente entre os corpos externos não dotados de vontade e entre as ações dos corpos dotados de vontade, é a união entre os motivos e as ações, que possuem a mesma constância, sejam nas ações humanas, sejam nas operações naturais, e que, de igual forma, a necessidade é a mesma na influencia sobre o entendimento, onde há a inferência da existência de uns da existência dos outros, sem espaço para a liberdade. 

De igual, a partir da compreensão de que esse entendimento é uma evidencia moral, ou seja, uma conclusão acerca das ações humanas onde todos os atos da vontade decorrem dessa necessidade que também existe, bem como onde a relação de causa e efeito necessária é fruto da inferência pela experiência, sendo uma conclusão da percepção da mente que infere tal união como necessária, porque deriva dos mesmos princípios e tem a mesma natureza. Assim, a seção anterior a esta em tela, conclui que a liberdade é o acaso, pois para ela existir seria necessário suprimir a necessidade, que tem como essência a causalidade, a relação necessária existente, seja entre os corpos externos ou entre as ações dos corpos dotados de vontade. 

Hume passa então, na seção 2 da parte 3 do Livro 2 ora analisada, a apresentar três razões para a prevalência da doutrina da liberdade, no entendimento humano, a saber: 

A primeira razão é que ao realizar uma ação o ser humano tem dificuldade em aceitar que agiu de forma governada, ou seja, parece-o que, se aceitar que agiu por uma necessidade (relação de causa e efeito) foi forçado, violentado e constrangido a agir dessa maneira, não tendo, portanto, consciência do seu agir. Isso se dá pela confusão de compreender liberdade como espontaneidade e não liberdade como indiferença, onde agir por livremente por espontaneidade é opor-se à violência e agir livremente por indiferença, é deliberadamente negar a necessidade e as causas de sua ação. 

A segunda razão pela qual a doutrina da liberdade prevalece na aceitação humana é a falsa sensação ou experiência da liberdade de indiferença. A necessidade de uma ação não defira do próprio agente, mas é característica de qualquer ser pensante que, se estiver de fora da ação em si, irá considerar a determinação do pensamento que infere a existência da ação a partir dos objetos preexistentes, da relação causa e efeito da ação. Essa sensação de liberdade de indiferença é falsa, pois, por mais que o agente sinta que suas ações estão submetidas à sua vontade, e esta não está submetida a nenhuma determinação, outra pessoa de fora conseguirá inferir essa ação de necessidade, diferenciando-a dos motivos que fez com que o agente assim o procedesse, bem como o caráter dessa ação e do agente. 

Por fim, a terceira razão decorre da religião, que muitas vezes é utilizada para refutar a doutrina antagônica da necessidade, levando a discussão para consequências perigosas, seja para a religião e para a moral. Para Hume, essa atitude não contribui em nada para a descoberta da verdade, e só serve para “tornar odiosa a pessoa do adversário”, uma vez que sua proposta é analisar a relação de necessidade nas ações humanas e nos objetos externos, e isso no campo das matérias sensíveis, e não no patamar das operações da matéria insensível. 

Porém, o filósofo ressalta que a necessidade é essencial tanto para a religião como para a moral. No campo da moral, é a necessidade – a relação de causa e efeito – que justifica a existência de leis humanas fundadas em recompensas e punições, produzindo sob a mente influência para a realização de ações que sejam consideradas boas e impedindo as que são consideradas más. No raciocínio ligado às leis divinas, a necessidade se justifica porque se considera Deus como um legislador que impõe punições e concede recompensas para que haja a obediência por parte do ser humano. Dessa forma, a doutrina da liberdade não encontra justificativa para o filósofo, pois caso contrário, os homens, seja no campo moral ou no religioso, não seriam responsáveis por suas ações planejadas e premeditadas, casuais ou acidentais. O mérito ou demérito das ações humanas é, portanto, um princípio da doutrina da necessidade e não da liberdade. 




03 – As ideias de virtude e ócio extraídas das noções de dor e prazer: 

Na ética de Hume toda ação da mente é uma percepção, inclusive as de aprovar ou não um caráter e as de distinguir entre o bem e o mal. As percepções se dividem em impressões e ideias relacionadas às essas impressões. Quem entende que a moralidade é uma conformidade com a razão, entende que o certo e o errado são impostos por leis, por divindades, sendo discernidos pelas ideias de justaposição e comparação, conseguindo assim distinguir entre o bem e o mal. Hume, no entanto, discorda dessa concepção justamente porque a filosofia, no que se refere à moral, é prática, ou seja, ela influencia as paixões e ações, indo além do entendimento meramente racional. 

Nesse sentido, na ética humana, a moral desperta as paixões, produzindo ou impedindo as ações. A razão sozinha não é capaz disso. As regras da moral, portanto, não são conclusões da razão, pois esta é inativa para tanto. A moral não é fruto de dedução racional. Se a moralidade fosse um acordo ou desacordo com a razão, as outras circunstâncias, como os juízos, seriam sempre arbitrários, não podendo conferir a uma ação o caráter de virtuosa ou viciosa, ou privá-la de tais caracteres. Todos os vícios e virtudes seriam, dessa maneira, iguais. 

Porém, a razão pode influenciar uma ação quando desperta uma paixão, informando-a sobre a existência de algo que é objeto de tal paixão, ou descobrindo conexões que possibilitam meios de exercer uma paixão qualquer. A ação pode causar um juízo ou ser causada por um juízo. Nesse sentido, os juízos podem ser falsos e errôneos. E este é o problema da moral, pois, por ser afetada pela paixão, uma pessoa pode supor que um objeto comporte dor ou prazer sem que isso seja de fato. A moral, fundamentada na paixão, tem a virtude como provocadora do prazer e o vício como provocador da dor. 

Por não ser a moralidade objeto da ciência, de descoberta pelo entendimento racional, na análise de um vício ou uma virtude só se encontram paixão, motivos, volições e pensamentos. Não se tem questões de fato. Tem-se o sentimento de aprovação ou desaprovação, que está em quem o sente, e não no ‘objeto’ considerado aprovado ou desaprovado. Por isso, na filosofia moderna, o vicio e a virtude podem ser comparados ao som, às cores, ao calor e frio, pois são percepções da mente e não qualidades do objeto. Interessam-se os sentimentos de prazer e desprazer, sendo favoráveis à virtude e desfavoráveis ao vício, para assim regular as ações humanas. 



04 – A noção de bondade em Hume:

Hume entende que toda ação da mente é uma percepção, seja para aprovar ou não um caráter, seja para distinguir entre o bem e o mal. Essas percepções podem ser impressões ou ideias relacionadas às próprias impressões. De igual forma, compreende que a moral não decorre do uso da razão, pois o filósofo vê esta última como inativa para despertar paixões ou ações, bem como para despertar a virtude enquanto a provocadora do prazer, e o vício enquanto provocador da dor. Não é, portanto, em Hume, a razão que possibilita distinções morais, que favorece a consciência e o sentido moral. 

Ao entender essa base do agir moral é possível compreender que as paixões e as virtudes consistem na experiência. Ser bom ou mal se aplica as ações da mente, derivando dessa experiência das relações com objetos externos. Ressalta-se que essa distinção entre ser bom e ser mal, se encontra apenas entre as ações internas e objetos externos e, portanto, não se aplica às ações internas comparadas entre si e nem a objetos externos opostos a outros objetos externos. 

Por essa razão, não se pode comprovar que os critérios entre bem e o mal podem ser conhecidos somente pela razão como definidora do que seja bom. É preciso conhecer essa virtude e conformar a vontade humana a ela. É preciso ter uma conexão de relação da virtude da bondade e a vontade, e isso se dá somente pela experiência, pela influência da paixão nas ações da mente humana, pois as distinções morais derivam do senso moral, que é sentido e não racionalizado. 

A concepção humana propõe justamente descobrir quais são essas percepções (as impressões ou as ideias) que, consistindo no empirismo, acompanham a moralidade. Assim, a impressão que deriva da virtude é agradável, bem como o seu oposto, ou seja, a impressão que deriva do vício é desagradável. Dentre todas as impressões, uma se destaca pela pressuposição de um utilitarismo de Hume, é a ação benevolente, a bondade, que é tida como a mais bela e nobre, prazerosa, a que provoca a aprovação pela paixão. 

Juntamente com a justiça (que depende das circunstancias externas e que promove o benefício público ao garantir a segurança e a propriedade), a virtude da bondade, é também um dos principais objetos de aprovação social. Isso se dá porque a bondade moral, na análise de Hume, é uma qualidade apreendida nas ações, a qual se obtém aprovação, e de igual forma, provoca o desejo de felicidade do agente. Ser o que não é bom é reconhecer aquilo que leva à desaprovação, ou seja, é ser o mal moral. Ressalta-se que a aprovação ou desaprovação está relacionada à concordância ou não com os interesses e vantagens do agente. Isso reforça o caráter utilitarista da concepção humana sobre a bondade moral. 

Assim, a bondade para Hume é uma virtude social, onde os objetos de aprovação da benevolência tendem a promover os interesses da espécie e a felicidade da sociedade humana, justamente por promover dentre outras ações, a harmonia das famílias, a ordem na sociedade, o suporte entre amigos, que demostram o caráter útil da bondade. 


BIBLIOGRAFIA: 

DALL`AGNOL, Darlei. Ética II. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC, 2009. 

HUME, David. Tratado da natureza humana. Oxford: Clarendon Press, 1978. 


OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “ÉTICA II” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 04/05/2013. 


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