sábado, 31 de agosto de 2013

FILOSOFIA DA LINGUAGEM V - WITTGENSTEIN E OS LIMITES DA LINGUAGEM



Wittgenstein se interessou pela Filosofia da Linguagem pelas obras de Russell e Frege. Foi aluno de Russell, e escreveu seu único livro em vida, o “Tractatus”. Além da critica de Russell e Frege, aponta a ideia de que a língua é uma figuração do mundo. Ele diz que o mundo não é feito de objetos, e sim de estados de coisas, de fato. No caso, tudo que ocorre, não só de objeto, mas do que liga os objetos, e constitui o estado de coisas. É possível representar, figurar, o mundo de certa maneira. Se como é feito no pensamento e exprimido na linguagem e essa figuração corresponde às coisas estão na realidade, essa figuração é verdadeira, se não é falsa. É possível figurar estados de coisas, como os objetos estão relacionados, não se podendo descrevê-los, mas somente nomeá-los e pode-se fazer isso em diversas linguagens: anotação musical, a física, matemática. A lógica organiza essas representações, mas não é possível demonstrar como a linguagem figura o mundo, porque pra isso usaria a própria linguagem.

Há um problema aqui. Será que é possível mostrar como as coisas estão no mundo? Sim, usando uma linguagem qualquer. Será possível mostrar qual é a relação que a linguagem estabelece com o mundo usando outra linguagem? Não é porque a linguagem significa, representa, demonstra o mundo pela sua forma, assim como as coisas na realidade, a linguagem representa os signos individuais, assim como os objetos estão no mundo. Se eu usar outra linguagem tenho que usar a mesma forma lógica que espelha a forma como as coisas estão no mundo. Outra linguagem teria uma mesma forma, e todas as linguagens podem ser reduzidas a uma mesma forma logica, e por isso não é possível mostrar, representar, figurar, só mostrar, mas não dizer. Essa diferença entre dizer e mostrar como a linguagem significa o mundo está na base de uma ontologia do Tractatus, sendo diferente das propostas dos outros autores, mas tem algo em comum a ideia da forma como possibilidade da estrutura, a forma da linguagem, do objeto, do mundo que possibilita a estruturação significativa.




PREFÁCIO:

“Talvez este livro somente seja compreendido por quem já tenha cogitado por si próprio os pensamentos aqui expressos, ou ao menos cogitado pensamentos semelhantes. Não é, pois, um manual. Terá alcançado seu objetivo se agradar a quem o ler com atenção. Trata de problemas filosóficos e mostra, creio eu, que o questionar desses problemas repousa na má compreensão da lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia apanhar todo o sentido do livro com estas palavras: em geral o que pode ser dito, o pode ser claramente, mas o que não se pode falar deve-se calar. Pretende, portanto, estabelecer um limite ao pensar, ou melhor, não ao pensar, mas à expressão do pensamento, porquanto para traçar um limite ao pensar deveríamos poder pensar ambos os lados desse limite (de sorte que deveríamos pensar o que não pode ser pensado). O limite será, pois, traçado unicamente no interior da linguagem; tudo o que fica além dele será simplesmente contra-senso.” 

[L. Wittgenstein, prefácio ao Tractatus Logico-Philosophicus.] 



O filósofo inglês Ludwig Wittgenstein, em sua única obra “Tractatus”, apresenta um discurso sobre o inefável, um discurso que é, por essa razão, sem sentido, apontando claramente um contrassenso, de forma consciente. Por meio de aforismos, o filósofo deseja demonstrar como a linguagem significa o mundo. Para tanto, a linguagem que é analisada, é utilizada, o que faz tal tarefa se tornar impossível, bem como concluir que dizer o mundo não é possível, podendo-se tão só mostrá-lo. 

Por ser o mundo “místico”, não podendo ser descrito pela linguagem, Wittgenstein conclui então que toda a tarefa filosófica de dizer o que mundo recai naquilo que a ciência já o faz, isto é, mostrar o mundo, sendo, desta forma, inútil o fazer da filosofia. Compete à filosofia, como única atividade legitimamente possível para o autor, tão só esclarecer contrassensos das afirmações sobre a vida e o mundo, o que não é o real papel filosófico em sua perspectiva tradicional. Nesse contexto, à filosofia cabe somente se silenciar e agir, mostrando o mundo, não tentando dizer o que não se consegue dizer, e sim tentando mostrar o que há de mais importante de ser mostrado no mundo.

A síntese do livro é a análise das relações de expressão existentes entre a linguagem e o mundo, sendo a partir disto possível analisar os problemas filosóficos tradicionais. Seu objetivo principal passa pelo delineamento dos limites que o pensamento possui. Para tanto, parte de um método que não é a delimitação do domínio do verdadeiro, como pensava Frege, nem os limites das proposições que tem sentido, como pensava Russell, mas sim apontar os limites do interior dos quais a linguagem adquire sentido, bem como apreender a definição de uma proposição, do que seja o pensamento, que é expresso numa proposição e qual o mundo que é representado por ela.

A partir de aforismos, o filosófico inglês aponta que “o mundo é a totalidade daquilo que efetivamente acontece, dos casos reais, dos fatos”. Já os estados de coisas são explicados a partir da noção de objeto, que são simples, ou seja, “são o que há de mais elementar nos fatos e configuram a substância do mundo”. (RODRIGUES, 2013, p. 68-69). 

A ideia principal do livro é que os elementos da proposição são articulados de forma lógica, por meio dos elementos do fato figurado (uma figuração é uma imagem, que por sua forma, tem uma forma possível de articulação entre os objetos, apontando para uma situação possível, que pode ou não existir de fato, na realidade, no espaço lógico das possibilidades). Isso significa que há uma semelhança entre as relações dos signos e as relações entre os objetos (substancia do mundo, que em si é fixa e invariável, e que pode se configurar com os objetos que se relaciona de diversas formas). Nesse sentido, compete à lógica definir toda e qualquer possibilidade de representação da realidade, por qualquer meio específico de simbolismo.

O mundo e o pensamento mutuamente se espalham, já que são lógicos. A linguagem, por sua vez, como espaço onde se emprega a lógica em proposições singulares, espelha e delimita toda a possibilidade de pensamento, ou seja, de toda a realidade, sendo essa a primeira delimitação do pensamento: o mundo só pode ser figurado pela linguagem na forma lógica, na forma de figuração (na linguagem ou no pensamento), onde seus elementos estão articulados. Isso significa que os pensamentos e as proposições são figurações do mundo, já que uma coisa só pode ser possível, ser pensável, se poder ser expressa por alguma linguagem, ser figurada de alguma forma lógica. Uma preposição que tenha sentido é aquela que tem uma forma lógica, ou seja, que aponte “sua concordância e discordância com as possibilidades de existência e inexistência de estados de coisas” (WITTGENSTEIN, 1993).

A partir disso, o filósofo de Viena conclui que os limites do que seja dizível dão os limites do pensável, sendo os limites do dizível inefáveis, não podendo assim ser ditos, somente mostrados. Por tal razão, a filosofia apresenta-se como “um mau uso, um uso deficiente da linguagem que engendra pseudoproblemas e pseudo-proposições, as quais são desprovidas de forma lógica e não determinam possibilidade alguma”. (RODRIGUES, 2013, p. 75).

O sujeito, portanto, tem a posição de um limite do mundo, na medida em que, de acordo com suas crenças e valores, passa a ver a vida e o mundo. Porém, como existem diferentes crenças e valores, é possível, portanto, descrever o mundo (que é só um) de diferentes maneiras, usando diferentes linguagens. Porém, todas as crenças e valores são indescritíveis, sendo somente possível mostrá-los. 

Assim, pode-se concluir que:

a) Os limites da linguagem e os limites do mundo não igualam a linguagem e mundo. Por meio da linguagem, se dá significado ao mundo, mas a linguagem não é o mundo. Assim, os limites do mundo vêm dos limites da linguagem, e não o mundo que diz ou significa a linguagem. Cabe à linguagem dar significado aos limites do mundo, dando sentido, descrevendo-o. É uma figuração do âmbito de possibilidades, descrevendo os limites da figuração das possibilidades de verdade e falsidade.

b) Os limites da linguagem significam os limites do mundo. A linguagem enquanto própria do sujeito metafisico, fixa os limites do mundo, limitando-o ao próprio sujeito. Assim, “só o sujeito dá sentido ao mundo e o mundo só existe para ele na medida em que pode ser por ele significado”, ou seja, “o mundo, para cada sujeito, está restrito ao que faz sentido dentro da linguagem que cada sujeito domina” (RODRIGUES, 2013, p. 76).

c) Na análise da natureza da lógica, o filósofo estabelece que o que é comum entre a linguagem e a realidade é a forma lógica, a qual não se pode e não se deve falar, ou melhor, não é possível falar, pois para tanto, é preciso usar a linguagem para poder falar sobre ela mesma, utilizando a forma lógica para descrever a si mesma, o que é impossível para os sujeitos, que são partes do mundo de outros sujeitos mutuamente, não sendo possível uma existir metalinguagem para tanto, ou seja, não é possível alguém “se colocar fora de toda e qualquer perspectiva e assumir o ponto de vista superior, divino, fora de linguagem e do mundo”. (RODRIGUES, 2013, p. 77).



REFERENCIAS:

RODRIGUES, Cassiano Terra. Filosofia da Linguagem I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013, p. 68-73. 

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. Introdução de Bertrand Russell. Tradução, apresentação e ensaio introdutório de Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: EDUSP, 1993.


OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “FILOSOFIA DA LINGUAGEM I” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 31/08/2013.


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