sexta-feira, 22 de novembro de 2013

FILOSOFIA DA LINGUAGEM VIII - NIETZSCHE: LINGUAGEM E MORAL



"Temo jamais nos livrarmos de Deus posto que ainda acreditamos na gramática.” [§5]. 
(O Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche) 

“Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a história até hoje!” (NIETZSCHE, 2009)


Nietzsche inaugura a filosofia contemporânea ao empreender a análise sobre a relação entre a linguagem e moral, concretizando uma crítica radical em relação à metafísica a partir da reflexão sobre a linguagem. 

Para o filósofo alemão o individuo utiliza-se da razão para poder conservar sua própria vida, podendo a partir da utilidade e vantagem social encontrada na razão, superar as adversidades encontradas em sua convivência social. Ao consentir viver em sociedade, o individuo, na concepção nietzschiana tende a um “impulso à verdade”, com o intuito de encontrar parâmetros para construir regras de convivência fixas e estáveis. 

A verdade, portanto, resulta do consenso, assim como a sociedade. Noutras palavras, na perspectiva nietzschiana, a verdade resulta de consensos sociais sobre a significação, onde “a legislação da linguagem fornece também as primeiras leis da verdade” (NIETZCHE, 1999, p. 876). Trata-se de um efeito deste acordo e não algo que se dá por si mesmo, isto é, a verdade “não é revelada pela natureza nem por uma divindade, no sentido bíblico de que ‘no princípio era o verbo’” (BARBOZA, 2011, p. 54).

Nietzsche coaduna com Schopenhauer ao entender que a verdade não é a origem externa de toda a linguagem. Pelo contrário, a verdade sempre requer que haja a intervenção das formas a priori responsáveis por produzir intuições sobre as quais a razão poderá produzir seus conceitos. As palavras – enquanto signos das convenções arbitrárias –, por sua vez, possibilitam que o filósofo produza um posicionamento crítico em relação à pretensão de verdade, sobretudo, da metafísica. Noutras palavras, a linguagem, por meio de sua arbitrariedade, faz com que as palavras e suas significações sejam o efeito de convenções que foram firmadas entre os homens para se relacionar. 

Na perspectiva nietzschiana, a verdade ao se fundar em relações de figurações da linguagem, tem uma característica local, haja vista que ela é fruto de uma série de relações e de convenções, que ao serem utilizadas no interior de um povo específico, e por um longo tempo de uso, aparentam-se enquanto obrigatórias e certas. Todo o conjunto significativo de termos e palavras, portanto, decorrem de um processo de fala, por meio de uma metaforização dupla: uma que é um estímulo nervoso que se transporta para uma imagem, e outra, que faz a transposição da imagem formada em um som, numa palavra. 

A reflexão proposta por Nietzsche sobre o caráter metafórico do conjunto significativo de termos e palavras aponta que a linguagem, mesmo complexa como se apresenta, serve para organizar e criar esquemas baseadas na experiência, sendo assim o conceito nada mais que um “resíduo de uma metáfora”.

Nesse contexto, Nietzsche se iguala a Schopenhauer, pois assinala para um empobrecimento no processo de formação de conceitos, uma vez que o estabelecimento arbitrário da linguagem exclui toda a riqueza que existe na realidade, diminuindo a força das intuições de onde provém.

De igual forma, posiciona criticamente à tradição que se baseia na concepção de que os conceitos são entidades que conseguem dar conta da realidade. Nietzsche entende justamente o contrário, ou seja, que a linguagem, por meio dos conceitos, favorece que tal concepção tradicional seja alimentada, e de tal forma que o indivíduo não consegue dar conta disto. 

Para o filósofo não existe uma adequação entre a realidade e a linguagem. A tradição que sempre foi vista como a base segura para o conhecimento, deveria dar espaço para o fluxo instável do devir e para o próprio ser humano como produtor do seu conhecimento. E isto é a sentença da morte de Deus que Nietzsche propõe: o fim da metafísica. 

Ao vê (Deus) como um engano, aponta para o fim da esperança que existia em fundamentos últimos que possam assegurar a realidade para o ser humano e sua linguagem. De igual forma, aponta para o fim na esperança de se ter estabilidade e regularidade, e de todo o processo de empobrecimento que é o conceito, enquanto violentador da externalização da riqueza que a intuição possibilita ao conhecimento. 

Portanto, Nietzsche ao afirmar temer que a humanidade jamais se livrará de Deus, posto ainda acreditava na gramática, anota justamente a dificuldade do ser humano em compreender que Deus é um conceito produzido tradicionalmente, cuja finalidade é justamente fundamentar a realidade. Sentenciar a morte de Deus – do Ser, da Razão, da Verdade, e de todos os demais conceitos metafísicos – é propor o fim da existência de princípios últimos capazes de produzirem a idealidade do real. 



Mentir não é propriamente não dizer a verdade

A concepção nietzschiana inaugura a filosofia contemporânea ao analisar a relação entre linguagem e moral e ao caminhar para uma reflexão crítica da metafísica, considerada radical. 

O referido filósofo compreende que o individuo utiliza da razão para conservar a própria vida, podendo dessa forma, lidar com as adversidades que existem entre os componentes da sociedade. Após o estado de natureza da concepção hobbesiana, ou seja, após o homem consentir em viver em sociedade, por meio de um acordo que elimine seu estado natural de “guerra de todos contra todos”, o homem tendeu-se nessa aceitação da convivência social, já na concepção de Nietzsche, ao “impulso à verdade”, podendo assim encontrar parâmetros que construam regras para a convivência estável e fixa. 

Isso significa que a verdade, assim como a sociedade, vem de um consenso. A verdade, na perspectiva nietzschiana, resulta de consensos sociais sobre a significação, onde “a legislação da linguagem fornece também as primeiras leis da verdade” (NIETZCHE, 1999, p. 876), ou seja, a verdade é um efeito deste acordo e não algo que se dá por si mesmo, ou seja, “não é revelada pela natureza nem por uma divindade, no sentido bíblico de que ‘no princípio era o verbo’” (BARBOZA, 2011, p. 54). 

Já o seu contrário, ou seja, a mentira, decorre da quebra e/ou da dissimulação do que seja verdade e falso dentro que fora acordado coletivamente. Mentir, portanto, é dar sentido diferente daquele em que se havia consensuado coletivamente. 

Nesse sentido, mentir não é propriamente não dizer a verdade, e sim “não empregar uma palavra conforme a sua regra aceita socialmente”, é subverter as convenções significativas existentes. A mentira denuncia a arbitrariedade da convenção linguística e questiona o valor da verdade. 

Portanto, a mentira, por ser capaz de produzir desacordos e instabilidades nas convenções arbitrárias sob as quais a convivência social se estabeleceu deve ser evitada, e não por porque não possa ser universalizada.


BIBLIOGRAFIA:

BARBOSA, Jair. Nietzsche: Linguagem e Moral. In: Filosofia da Linguagem II. Florianópolis: Filosofia/EAD/UFSC, 2011. p. 53-63.

NIETZSCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira. Tradução de Fernando Barros. São Paulo: Hedra, 2007.


OBSERVAÇÃO:

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina "FILOSOFIA DA LINGUAGEM II" da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 22/11/2013.


VEJA TAMBÉM:

Filosofia da Linguagem I - O antipsicologismo da Lógica em kant e John Stuart Mill

Filosofia da Linguagem II - A semiótica de Peirce e o Antipsicologismo da Lógica 

Filosofia da Linguagem III - A conceitografia de Frege e o Antipsicologismo da Lógica

Filosofia da Linguagem IV - A teoria das descrições definidas de Russell e o Antipsicologismo da Lógica

Filosofia da Linguagem V - Wittgenstein e os Limites da Linguagem

Filosofia da Linguagem VI - Hume: Linguagem e Experiência

Filosofia da Linguagem VII - Schopenhauer: Linguagem e Mundo

Ética II - David Hume e a Teoria sobre o Sentimento Moral na Filosofia Moderna

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