domingo, 30 de junho de 2013

HISTORIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL II - "SUMA DE TEOLOGIA" DE TOMÁS DE AQUINO



Na primeira parte da Suma de Teologia de Tomás de Aquino, na questão 15, artigo 1, o filósofo propõe a analise da ideia na mente divina. De inicio apresenta os argumentos que contrariam a existência das ideias na mente de Deus, e depois, apresenta uma nova forma de ver a doutrina platônica das ideias e da forma como Agostinho apresenta-as, refutando os argumentos que são contrários à esse tese, visando apontar a concepção do Deus do mundo judaico-cristão. Tem, portanto, por escopo demonstra como é possível conciliar a tese agostiniana da essência das ideias na mente de Deus com a sua tese de unidade divina. 

Para tanto, diferencia o que seja ideias a partir de sua análise enquanto relação de exemplo e enquanto princípio do conhecimento. De inicio investiga a possibilidade de existirem ideias em Deus e depois investiga se há em Deus ideias de tudo o que ele possa conhecer. As questões problemas são: a) Existem ideias em Deus?; b) Existem várias ideias em Deus ou apenas uma?; c) Há ideias de tudo o que Deus possa conhecer?

Na questão 15, em seu artigo primeiro, Tomás ignora a compreensão platônica de que as ideias existem por si mesmas e de forma separadas, defende a concepção de Agostinho onde as ideias podem estar na inteligência divina, e apresenta a tese da dupla função que é assumida pelas ideias: a epistemológica, onde as ideias são princípios de conhecimentos das formas, e a ontológica, onde as ideias são exemplares, e a partir destes as coisas são criadas.Para defender sua tese, o filosofo de Aquino apresenta as visões contrárias à possibilidade de existência de ideias em Deus, visando posteriormente refutá-las. 

A primeira, do neoplatônico Dionísio, aponta que Deus não conhece as coisas por meio das ideias. A existência das ideias é necessária para que se tenha conhecimento, porém, como isto não é assim, conclui pela inexistência das ideias. A segunda é decorrente da primeira, onde se aponta que Deus conhece tudo de si mesmo, porém não conhece a si mesmo por intermédio da ideia. Disto decorre o não conhecimento das outras coisas por meio das ideias. Deus, portanto, não precisa da ideia como mediadora para conhecer as coisas. Por fim, a terceira visão aponta a visão agostiniana da concepção da ideia enquanto principio de conhecimento e de ação. Entretanto, para o filosofo Agostinho, a essência de Deus é o principio suficiente para que se possa conhecer e realizar todas as coisas. Disto decorre que as ideias não são necessárias. 

Nesse ponto, o filosofo de Aquino ressalta que na concepção agostiniana há uma valorização das ideias quando se afirma que conhecer as ideias é próprio do sábio, uma vez que é através da ideia que se pode conhecer algo. O grande dilema nesse momento é se Deus construiu o mundo de acordo com uma ideia extrínseca a si mesmo, por meio de exemplos, ou se Deus construiu o mundo por possuir essas ideias em si mesmo. 

Nesse momento, Aquino passa a expor sua tese da possibilidade das ideias na mente divina, com a análise etimológica da palavra grega “ideia”, a partir da tradução para a língua latina, que seria “forma”. A melhor tradução seria “segundo o ser inteligível”, o que aponta para as duas funções da ideia: enquanto uma relação de exemplo ou enquanto uma relação de conhecimento. Tais funções são formas dos cognoscíveis que estão naquele que conhece, na concepção do filosofo. Em ambas as funções há a existência de ideias, que estão no intelecto de Deus, cruzando-se.

Como as ideias são princípios por meio dos quais as demais coisas podem ser criadas, a grande dificuldade de considera-las como presentes na mente divina são: a) Deus não necessita de nada mais que ele próprio para se conhecer; b) Deus é conhecer de tudo em si mesmo; c) Deus, em sua essência divina, é um princípio que basta a si mesmo, não sendo necessário haverem conhecimentos e operações. Isso significa que se Deus precisa de conhecimento, de exemplo, ele não é autossuficiente, e, portanto, não pode ser considerado perfeito, eterno, imutável. 

Para defender sua tese, o filosofo de Aquino aponta que as coisas não são geradas ao acaso. As coisas tem a forma como causa final. As formas das coisas diversas são compreendidas pelas ideias, e, portanto, podem existir além das próprias coisas. Quanto o agente opera, tem por objetivo a criação da semelhança da forma. Ter essa similitude pode se dá de duas maneiras: em alguns, a forma da coisa a fazer já é preexistente nela mesmo, “segundo seu ser natural”; em outro, a forma já é preexistente “segundo o ser inteligível”, ou seja, agindo pelo intelecto, como são os artistas e o arquiteto, que produz de acordo com a forma que existe em sua mente.

Nesse momento, o filosofo em tela aponta que o mundo não é uma obra contingente. Foi realizado por Deus, agindo por meio de seu intelecto, o que significa que existe uma forma em sua mente que deu origem a semelhança pela qual o mundo foi criado. No ápice da defesa de sua tese – a sed contra – Tomas aponta que não se pode abandonar a existência das ideias para não correr o risco de cair na concepção de ideias de Platão, porém expõe que é preciso uma nova compreensão a respeito delas. Passa, portanto, a defender a existência das ideias na mente divina a partir de três etapas:

a) aponta como se deve compreender o que seja ‘ideia’, e sua significação;

b) justifica uma definição de ideia – enquanto exemplar – de sua tese;

c) apresenta como a ideia pode ser compatível com a existência da mesma na mente do Deus judaico-cristão.

A ideia enquanto forma, enquanto exemplar, é a causa final de todas as coisas que não são geradas de forma contingente. Somente a ideia é essa causa final para algo criado com uma finalidade. As coisas que por acaso existem são feitas por rebeldia à intenção do seu autor. Enquanto exemplar, a ideia pode significar o nome ideia e enquanto o nome forma. Por forma entende-se o fim de todas as coisas, não determinadas pelo agente, pois o mesmo age por meio da natureza. Por ideia, o age opera por meio de seu intelecto. Resumindo, enquanto exemplo, há uma forma “segundo o ser natural” e outra enquanto “segundo o ser inteligível”. 

Avança o filosofo de Aquino que a forma é um certo influxo (ser impulsionado para algo, misturar-se a algo) para o causado. Isto significa que o que se gera e tem a forma exemplar por sua causa, depende desta – a forma – para vir a ser. É o agente opera conforme a forma, tendo a forma como a sua causa final de operação, pois há nele similitude com a forma. A forma enquanto exemplar pode preexistir no agente “segundo o ser natural” ou “segundo o ser inteligível”. Essa forma enquanto exemplo preexiste no homem, “segundo o ser natural”, e de igual forma, também preexiste na mente divina, “segundo o ser inteligível”, enquanto ideia.

Quando se opera algo “segundo o ser natural” é ter a similitude preexistente no agente, enquanto principio de geração do que se cria, sendo, portanto, um princípio intrínseco. Nesse ponto, Aquino afirma que a natureza tem um principio intrínseco e por isso difere-se da área, que tem por princípio algo extrínseco. A natureza pode ser considerada arte própria de Deus e intrínseca às coisas. Por meio da arte divina com a criação da natureza é que as coisas são movidas, para que se chegue a um fim determinado, à causa final.

É possível, portanto, ter uma nova concepção da existência da ideia na mente do Deus judaico-cristão porque a forma, o exemplo, presente na mente divina é operada com uma causa final proposta por sua inteligência, agindo sobre a natureza, a arte divina, não de forma contrária a intenção do mesmo. Há na mente de Deus, portanto, uma forma e por meio da similitude desta forma o mundo foi operado. Tal forma é o principio de operação e por meio dele é gerado a coisa segundo esse principio, que é sua forma. 

A ideia, enquanto exemplo, existente na mente de Deus é a forma que tem a sua semelhança no que se criou no mundo. A essência divina pode ser considerada como ideia, compreendida como exemplo, uma vez que Deus é o principio operativo dos outros, sendo o criador de tudo, o ser que move, que dá a causa eficiente à tudo. Em comparação às outras coisas, a essência de Deus é a ideia pela qual as outras formas tomaram forma. Essa essência divina, que é a ideia, é um principio suficiente para que se tenha conhecimento (a segunda função da ideia) e que se possa ter operação. A essência de Deus é a forma pela qual há a similitude de todas as outras coisas, pois Deus se identifica com a sua própria essência.




É possível a existência de várias ideias?

No artigo 2 da Suma Teológica de Tomas de Aquino, o filosofo parte da unidade da essência divina para problematizar a multiplicidade das ideias na mente divina. Tal argumento é defendido pela concepção de que se temos a ideia enquanto noção, tem-se que cada ideia corresponda à uma coisa determinada, pois coisas diversas requerem ideias diversas. Isso faz com que se possa defender a existência de várias ideias em Deus, partindo da compreensão de que a essência de Deus pode ser tomada de várias maneiras, já que pode ser exemplo de coisas diversas. 

O inicio do artigo supracitado se dá com a apresentação do elenco de artigos que apresentam impedimentos para aceitação da multiplicidade de ideias, a saber:

a) a unidade da essência divina;

b) a comparação da ideia à arte e à ciência ou sabedoria enquanto todas elas são princípios de conhecimento;

c) o fato de que tal pluralidade implicaria a defesa da tese de que o temporal seria a causa do eterno;

d) a defesa da tese de que a única pluralidade real possível para Deus é a pluralidade das pessoas da Trindade.

O filosofo de Aquino, em seu sed contra, refuta tais argumentos impeditivos baseado no elenco de uma série de características que são apresentadas como próprias da pluralidade de ideias. Nesse sentido, as ideias são formas primeiras, noções estáveis e incomutáveis das coisas, não formadas, eternas, se mantêm sempre do mesmo modo, estão contidas na inteligência divina, não nascem e nem morrem, mas, ainda assim, é segundo elas que tudo o que pode nascer e morrer, bem como tudo o que nasce e morre, é formado. 

Essas características apontam para as ideias exemplares, basicamente enfatizando três de suas características:

a) cada ideia exemplar corresponde a uma coisa determinada, ou seja, as ideias são formas primeiras, noções estáveis e incomutáveis das coisas;

b) a ideia propõe para a coisa que é gerada por ela, além de uma definição, uma ordem, ou seja, na mesma medida em que forma a coisa, lhe propõe uma ordem;

c) a ideia permanece não sendo nada diverso do próprio Deus, ou seja, as ideias não são formadas e por isso, são eternas, se mantendo sempre do mesmo modo e estão contidas na inteligência divina. 

Em suma, sua resposta pode ser divida em duas partes:

a) a ideia, enquanto exemplar, confere àquilo de que é exemplar, as suas características mais excelentes, ou seja, todas as características que não são a ela advenientes de modo contingente ou acidental.

b) Num primeiro passo, a pluralidade de ideia deve ser vista como não repugnante à simplicidade divina, pelo fato de que o conhecer divino se dá de um modo que é diferente do conhecer humano. Noutro passo, propõe que a mente divina conhece tal pluralidade de ideias em si, na medida em que conhece a pluralidade de noções.



Justificando a multiplicidade de ideias: a ordem e a excelência das coisas criadas por Deus:

Tomás nessa primeira parte da sua resposta aos argumentos contrários a possibilidade da pluralidade de ideias, defende-a a partir do raciocínio que se baseia na caracterização, na ideia exemplar como uma causa final. Nesse sentido, a ideia exemplar exerce o papel de ser o fim último para aquilo que se gera a partir dela, e de igual forma, a ordem do universo é um bem que existe de modo excelente nas coisas grandes, sendo necessário que quem tenciona a ordem do universo, tenha a ideia dela. Essa compreensão parte do entendimento de que a ideia enquanto exemplar é sempre uma similitude para as coisas que não são feitas por acaso, à revelia da intenção do agente. 

O filosofo pretende destacar o fato de que, se considerar a geração das coisas a partir de sua causa final, é possível distinguir nas coisas geradas duas sortes de fim, a saber: as coisas geradas possuem tanto um fim último como um fim próximo. 

O fim último é aquele que não requer circunstancia, já que todas as circunstancias são assumidas visando-o. Trata-se daquele que é visado por si mesmo, sem que nada mais seja necessário para alcança-lo e sem que esse fim sirva de intermédio para nada além dele. O fim próximo, por sua vez, ou é o fim de uma obra ou o fim de um agente. É algo intermediário. Ressalta-se que em determinados casos, o caráter de próximo ou de ultimo da finalidade pode ser atribuído a uma só coisa. Em suma, o filósofo desejava destacar nessa primeira parte de sua resposta é que esse fim último que é inerente às coisas geradas é tencionado pelo agente criador, e que é último justamente porque um ponto máximo e excelente existe: não é possível haver nada além do próprio fim.

O fim último é o que há de mais excelente numa coisa, pois o fim último da coisa compõe a própria ordem do universo. Se há uma ordem para o universo, que é o próprio resultado daquilo que foi intencionado como o fim da coisa gerado, esse fim último, essa ordem, só pode vir a ser porque sempre se fez presente na intenção de Deus. Essa ordem do mundo não foi, portanto, um acidente, pois é o que há de mais excelente, e não algo inferior, acidental. Por Deus a quis, teve de criar cada uma das coisas segundo essa ordem.

Deus, ao estabelecer a ordem do universo tal como ela se dá, já que teve a intenção do fim último das coisas criadas, tem a ideia dessa ordem. Sendo uma totalidade, Deus tem a ideia da ordem de um todo, tendo as ideias correspondentes a cada uma das partes. E conclui, juntamente com Agostinho, que “é preciso que haja na mente divina as noções próprias de todas as coisas (...) donde se segue que na mente divina há várias ideias”.



A pluralidade de noções e a unidade divina:

Passada essa primeira parte, o filósofo de Aquino demonstra de que modo a multiplicidade de ideias não precisa ser vista como incompatível ou simplicidade divina. Para tanto, distingue o conhecimento divino do conhecimento humano, na medida em que introdução a figura da espécie no argumento. Nesse sentido, a espécie é a forma que faz o intelecto em ato, é a espécie própria do conhecimento humano. O intelecto humano é uma certa potência. Numa certa medida, é nada. A espécie é a forma que faz o intelecto em ato quando considera o intelecto humano sendo uma potencia, porém, antes de a forma ser inteligida. 

Quando a abstração faz com que o intelecto humano passe de potencia ao ato ao inteligir a espécie, pode-se perceber que a espécie, que é própria do conhecimento divino, é sua própria essência. Isso significa que a qualidade de ser aquilo pelo qual algo é inteligido, caracteriza a espécie humana pois contrasta com aquilo que é conhecido pelo intelecto divino, onde a ideia está como o que é inteligido. 

Resumindo, o conhecimento humano ao tomar a ideia como uma espécie refere à necessidade que o homem tem de certo intermediário para que possa conhecer, na medida em que a espécie é aquilo pelo que ele conhece. Já no conhecimento divino não há esse intermediário, pois ao conhecer a ideia, Deus conhece a própria similitude a partir da qual fora criado algo. Defender a multiplicidade de ideias em Deus é defender uma multiplicidade de ações.

O que permite Deus conhecer algo além de si mesmo quando conhece a sua essência é o fato de que as criaturas participam de sua essência enquanto são similitudes a essa essência divina, na medida em que tem uma espécie ou noção própria, onde a essência divina é a similitude ou principio de operação pelo qual são geradas. Se Deus conhece todas as criaturas ao conhecer o que é a sua essência, e se são varias as criaturas, logo, há uma multiplicidade de noções ou ideias, mesmo permanecendo simples e uno.

Portanto, Tomás de Aquino responde a cada um dos quatros argumentos pelo quais não é possível haver uma pluralidade de ideias. Ao primeiro argumento, aponta que na medida em que se pode considerar que o conhecimento tido por Deus das criaturas, ao conhecer sua essência, é diverso do conhecimento que tem de si mesmo, o que defende a pluralidade de ideias em Deus, a partir da compreensão da ideia como noção.

Já ao segundo argumento, que propõe uma separação da arte e a sabedoria com a ideia, o filosofo aponta que a arte a ciência são tomadas como aquilo pelo que Deus intelige, e a ideia é o que Deus intelige. Deus, portanto, intelige vários seja pela arte ou pela sabedoria, ao inteligir vários segundo o que são em si mesmos, bem como quando intelige vários segundo o que são inteligido, ou seja, na medida em que se intelige inteligindo a vários que são noções. Inteligir segundo o que é inteligido é inteligir-se inteligindo algo, ou seja, não a noção da causa, mas interligando a noção de causa. Para o filosofo, diferentemente do homem onde é o acidental, em Deus, a ciência, é a própria substancia divina. A pluralidade de ideias pode ser defendida não somente porque Deus conhece a ideia exemplar ou a noção de ideia referente a cada uma das coisas das quais são exemplares, mas também porque, no que se refere às artes e às ciências, uma que se intelige inteligindo essas noções, Deus pode distinguir a diversidade das artes e das ciências.

Para os terceiro e quarto argumento, Tomas apontam a base, onde a pluralidade de ideias se sustenta no modo como Deus pode conhecer a sua própria essência, porém em Deus, a multiplicidade de conhecimento se dá de forma diversa como se dá a multiplicidade real.



Há limites para o conhecimento divino?

A resposta tomasiana para o segundo argumento inicial do segundo artigo da Suma Teologica aponta que a existência de dois modos possíveis, basicamente, para o conhecimento divino. O primeiro afirma que algumas coisas são conhecidas por Deus como aquilo pelo que algo é conhecido (as artes, ciências, etc.). Já o segundo afirma que algumas outras coisas são conhecidas como o que é conhecido, e estas são as ideias ou noções. É tudo aquilo que Deus intelige como “algo em si mesmo”, ou seja, como ideia ou noção. Para o filosofo, a ideia ou noção sempre remetem a um exemplar. Aqui surge o grande problema: se a ideia é o exemplar da ideia divina, como pode Deus inteligir coisas que não podem ser reduzidas a ideias exemplares ou às suas noções, como o mal e o não ente? 

Aquino, em seu sed contra, propõe a distinção entre ideias exemplares e noções de ideias para solucionar o problema que aponta argumentos que refutam a possibilidade de que Deus tenha um conhecimento de tudo, uma vez que nem tudo o que pode ser conhecido pode ser considerado de fato existente, bem como nem tudo pode ter por principio o próprio Deus. 



Ciência especulativa e ciência prática:

Retomando ao que já fora analisado em sua obra, o filósofo de Aquino reforça a distinção entre ideia exemplar e a noção de ideia. A ideia enquanto exemplar se dá para tudo que é feito por Deus segundo algum tempo. Isso significa que não é pela ideia exemplar que Deus possa conhecer aquilo que não foi feito. Já a noção de ideia é propriamente um principio cognoscitivo, já que por meio da ideia enquanto noção que Deus pode conhecer algo. É por meio da noção que se tem conhecimento daquilo que não foi feito. 

Essa cognição pode ser prática ou especulativa. A ciência, o conhecimento, é prático na medida em que aquilo que é conhecido o seja na medida em que é principio do fazer as coisas. Já o conhecimento especulativo, a ciência especulativa, é o conhecimento daquilo que se apresenta ao intelecto como principio cognoscitivo. No artigo 14 da primeira parte da Suma de Teologia, Tomás aponta que a ciência especulativa das coisas é possível para Deus. 

Nesse texto são apresentados três modos pelo quais a ciência pode ser considerada especulativa: a) porque não cabe àquele que tem a ciência operar aquilo de que tem ciência; b) porque considera algo não quanto a seu fim, mas na medida em que tenta compreender quais são as suas partes; e, c) porque considera algo por si mesmo. Ainda que tal consideração também se volte à compreensão das partes daquilo que é considerado, essas partes não são consideradas em si mesmas, mas na medida em que concorrem para o fim que é próprio da coisa conhecida. A ciência prática, por sua vez, será sempre o conhecimento que estiver ordenado para o fim da operação daquilo que é conhecido.

Assim, Tomas de Aquino, conclui que o conhecimento de Deus sob o mal é especulativo, já que Deus não pode ser autor do mal. Mesmo não sendo operáveis por Deus, segundo Tomas, os males caem na medida de seu conhecimento prático, já que Deus permite-os, impede-os ou ordena-os. 



Ciência prática em ato, ciência prática em potência e ciência especulativa:

Para se conhecer melhor como se resolver o problema apresentado, têm-se, segundo OLIVEIRA (2013, p. 52) dois passos:

No primeiro recorre-se a Tomás em Sobre a Verdade, onde o filósofo indaga se as ideias pertencem ao conhecimento especulativo ou unicamente prático. A finalidade do conhecimento especulativo é a verdade absoluta. A finalidade do conhecimento prático é apenas a operação. Assim, a ciência prática pode ter dois sentidos básicos: a ciência prática em ato, ou seja, a ciência que se refere ao que está em ato, e a ciência prática em potência, ou seja, quando se referir àquilo que apenas pode ser. Nesse segundo caso, a ciência prática pode ser confundida com a ciência especulativa. 

Já no segundo passo recorre ao texto da questão 15 da Suma de Teologia, onde se vê as respostas para os quatro argumentos sobre a indagação de Deus poder inteligir coisas que não podem ser reduzidas às ideias exemplares ou às suas noções, como o mal e o não ente. 

No primeiro argumento, Tomas responde enfrentando o problema do mal. O mal não tem noção própria em Deus, na medida em que não há nada em Deus que possa ser tomado como dando origem ao mal. Porém, o mal é de certo modo conhecido por Deus por meio da noção de bem. O mal, para Tomás, assim como para Agostinho, não tem uma natureza própria, mas sim, trata-se de uma privação do ente. É, portanto, conhecido por Deus por meio da noção de bem, já que Deus pode perceber a privação ou negação do bem. O mal é sempre conhecido por Deus na medida em que ele é capaz de inteligir aquilo que falta para a perfeição de algo.

Respondendo ao segundo argumento, o filósofo de Aquino, enfrenta o problema daquilo que jamais existirá, apesar de poder ser pensado por Deus. Da mesma forma com o problema do mal, Tomas defende que Deus pode conhecer tais coisas por meio da noção da ideia por um conhecimento prático em potência, já que esse não visa realizar o fim próprio daquilo que considera. Ressalta que tal conhecimento não o é como o do mal, já que o que é conhecido não se compara àquilo que sofre de alguma privação. O que não se conhece não tem ser, razão pela qual não pode ser conhecido por meio de nada a que se possa compará-lo, como ideia exemplar. O sentido prático do conhecimento em potência é que tais coisas jamais existirão, podendo ser conhecidas por Deus na medida em que se podem imaginá-las, conferindo-as, assim, algum ser ainda que não absoluto. 

Já na resposta ao terceiro argumento, que afirma que Deus conhece a matéria prima, que não poder ter ideia, dado que não tenha nenhuma forma, Tomás reforça a necessidade de se abandonar o platonismo, ao afirmar que a matéria, enquanto composto, apenas ganha sua perfeição na medida em que ali existe. A matéria considerada em si mesma não passa de uma imperfeição, já que é uma potencialidade. Por ser criada por Deus, a matéria não pode existir separadamente da forma. Só pode ser conhecida se composta com a forma. Assim, a noção de matéria não é conhecida por privação, como é a noção de mal. Também não é conhecida como aquilo que jamais existirá, como algo possível. A matéria só é conhecida segundo está no conjunto.

Por fim, na resposta ao quarto argumento, que afirma que Deus não é unicamente ciente das espécies, mas também dos gêneros, bem como dos singulares e dos acidentes, Tomás mostra que as distinções lógicas também devem ser tomadas segundo a noção de ideia, mas não enquanto ideia exemplar. A espécie pode ser compreendida enquanto composto: acepção ontológica – animal racional, e acepção lógica, onde a espécie é subordinada ao gênero, na medida em que é menos universal que ele. O gênero, que tem apenas uma acepção lógica, é sempre uma forma universal, ou seja, é uma forma que é inteligida a modo de abstração, sendo conhecido por meio da noção da espécie. Da mesma forma os acidentes, que só podem ser conhecidos por meio da noção correspondente a seu sujeito. Quanto aos indivíduos, o filosofo afirma que Platão teria pelo menos dois motivos para negar que houvesse alguma ideia deles. O primeiro porque os singulares seriam individuados segundo a matéria da qual sustentava que não havia ideia. E segundo porque a natureza tem como intenção a espécie, e assim a produção de particulares não seria algo próprio das espécies, mas apenas um modo de realização daquilo que é próprio das espécies.

Em suma, respondendo a esse último argumento, Tomas ressalta sua discordância da concepção platônica, ao reafirmar que as ideias estão em Deus. Portanto, Deus é o principio das coisas individuais. Já que os indivíduos de algum modo contribuem para a excelência da ordem do universo, de algum modo, eles foram tencionados por Deus, e, portanto, de algum modo, Deus conhece a todos eles.



O intelecto humano e a similitude do intelecto divino:

Na primeira parte da análise tomasiana sobre o texto agostiniano apresentou-se como resultado o o modo segundo o qual é possível conceber um Deus criador que teve a intenção de criar o mundo de acordo com uma ordem determinada e, por isso, tanto deve ter conhecimento dessa ordem como, por meio dela, das coisas por ele criadas. Nessa segunda parte, a interpretação tomasiana aponta que a compreensão de Agostinho acerca das ideias é importante para a explicação do objeto próprio do conhecimento humano.

Nos artigos 5 e 6 da questão 84 de Suma de Teologia de Tomás de Aquino o debate sobre a compreensão agostiniana da ideia é retomada para demonstrar como o intelecto humano, de certo modo, participa do intelecto divino, bem como para mostrar de que modo isso é possível, uma vez que a principal característica do intelecto humano é o conhecer as coisas a partir daquilo que é material e sensível.

A proposta de OLIVEIRA (2013, p. 62 e 63) é mostrar de que modo a teologia fornece um ponto de partida que permite a compreensão do próprio alcance daquilo que é conhecido por homem, já que evidencia como o conhecimento humano pode ter acesso à própria natureza das coisas. Visa demonstrar também que a filosofia aristotélica se mostra fundamental para essa compreensão, já que oferece a melhor explicação racional do modo pelo qual o próprio homem conhece.

A questão proposta é: o homem conhece aquilo que é material nas razões eternas? A resposta é positiva, desde que entendida sob certas circunstâncias.



As razões eternas e o conhecimento intelectual humano:

Os argumentos iniciais fornecem importantes elementos para caracterizar o conhecimento humano. Assim, há a seguinte tese: o homem apenas pode conhecer algo das razões eternas, a partir do conhecimento que tem das coisas materiais e não o inverso. Para tal tese, há dois problemas: o conhecimento humano sempre parte daquilo que é material e o conhecimento humano é sempre aproximativo, apreendendo muito pouco daquilo que é a natureza própria das coisas, uma vez que tem como seu objeto próprio aquilo que nelas há de material. Tomás rebate essa controvérsia, que aponta ser a interpretação agostiniana um retorno aos problemas da tese platônica, apresentando as razões que serviriam de base para tal compreensão.

No primeiro argumento inicial aponta-se que aquilo que serve de ponto de partida para nosso conhecimento é sempre mais conhecido por nós do que aquilo que se pode vir a conhecer posteriormente, a partir da reflexão a respeito disso que conhecemos. No segundo argumento, explicita-se que aquilo que, para nós, é mais conhecido e anteriormente é aquilo que é material. Isso significa que não pode se dar que pretendamos conhecer as coisas materiais como se conhecêssemos primeiramente as razões eternas, por duas razões: a primeira teológica, onde o homem não conhece o próprio Deus no qual as razões eternas existem, e a segunda, filosófica, onde o conhecimento humano principia por meio daquilo que é material. 

Tomás, ao se valer das ideias de Agostinho, propõe que a tese que defende o conhecimento de tudo nas razões eternas pode ser tomada como um retorno à opinião de Platão, que defendia as ideias como princípios de conhecimento existentes por si mesmos. Essa necessidade de se retomar a discussão das ideias é apontada na sed contra ao demonstrar que a verdade está contida nas razões eternas, já que tais razões são exemplares, contendo a própria natureza das coisas criadas, ou seja, aquilo mesmo que elas são. 

Por isso, Agostinho desenvolveu o raciocínio de que, se a verdade está nas razões eternas e se o homem conhece algo dessa verdade, ou seja, se o homem conhece algo do que é a própria natureza das coisas, ele deve conhecer tal verdade à medida que é capaz de conhecer algo das próprias razões eternas. 



Agostinho e o conhecimento das coisas materiais segundo a interpretação de Tomás:

No corpo da resposta, a citação do texto agostiniano aponta que este veria na filosofia a defesa de teses ou opiniões que seriam concordes com a verdade e que deveriam ser tomadas por todo aquele que se pusesse na busca do conhecimento do que é verdadeiro. Para Tomás, Agostinho teria dado um modo diferenciado nisso, pois apesar de apresentar certas características da proposta platônica, o filósofo de Hipona apresenta para elas uma solução a partir da tese da subsistência das ideias no intelecto divino.

Na proposta platônica, a tópica das ideias aponta que elas seriam “as formas das coisas que subsistem por si separadas da matéria” e “por cuja participação o nosso intelecto conhece tudo, de tal modo que, assim como a matéria corporal, pela participação da ideia da pedra se torna pedra, igualmente o nosso intelecto, pela participação da mesma ideia, conheceria a pedra”. 

Tomas aponta que em relação ao problema da proposta platônica da defesa da “subsistência por si” das ideias, Agostinho teria resolvido ao sustenta-las como conteúdos do intelecto divino. Assim, o filósofo de Aquino demonstra ser possível defender a posição agostiniana segundo a qual a verdade deveria ser conhecida nas razões eternas. 

O intelecto humano é semelhante ao intelecto divino, do qual participa. Ainda que o conhecimento humano comece sempre a partir daquilo que é material, sua similitude com o intelecto divino faz com que ele possa apreender, segundo sua semelhança, as razões eternas das quais as coisas materiais são similitudes. Assim, o intelecto humano participa do intelecto divino na medida em que é por si mesmo e naquilo que apreende semelhante àquele intelecto. 

Tomás de Aquino tem como ponto de partida o texto Sobre a Trindade, de Agostinho, para demostrar que o próprio teria defendido o fato de que o conhecimento humano parte das coisas materiais, diferindo nisto da tese platônica, segundo a qual o conhecimento das coisas materiais se daria apenas pela participação das razões eternas.



BIBLIOGRAFIA:

OLIVEIRA, Carlos Eduardo de. Tomás de Aquino e a Filosofia. Guia de Estudos. Universidade Federal de Lavras, 2013.

TOMAS DE AQUINO. Suma de Teologia. Primeira Parte. Questão 15: Sobre Ideias, artigo 3. Coordenação geral: Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira. Vários tradutores. São Paulo: Loyola, 2003, 2ª edição.



OBSERVAÇÃO: 

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina “HISTORIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL II” da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA – Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 30/06/2013.



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