domingo, 23 de fevereiro de 2014

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA III – O EXISTENCIALISMO COMO HUMANISMO EM SARTRE - PARTE FINAL



Esta é a terceira parte de uma série de atividades sobre Sartre, conteúdo da disciplina "História da Filosofia Contemporânea I" cursada na graduação em Licenciatura em Filosofia da UFLA. Sugiro a leitura da primeira e da segunda parte antes de continuar a leitura desta postagem:



A CONCILIAÇÃO TEÓRICA DA INTERPRETAÇÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA COM A EXIGÊNCIA DA COMPREENSÃO DO CARÁTER EXISTENCIALMENTE SINGULAR DA AÇÃO:

Sartre, em sua obra Questão de Método, analisa filosoficamente a relação entre o marxismo e existencialismo, notadamente, com a finalidade de verificar a possibilidade da existência de uma antropologia filosófica, ou seja, de um conhecimento filosófico do homem. Para tanto, a especificidade da existência do homem (idealismo/subjetividade) e a possibilidade de conhecê-lo na sua realidade objetiva concreta (materialismo) são os requisitos da perspectiva antropológico-filosófica sartreana. 

O existencialismo sartreano considera a necessidade da dupla exigência para se chegar à verdade: o conhecimento da especificidade concreta da existência e o conhecimento da realidade objetiva do homem. Por outro lado, a proposta do existencialismo de Sartre seria uma solução para o problema existente da dicotomia de concepções entre o idealismo e o materialismo, enquanto formas de conhecimento da verdade.

O idealismo se caracterizava como a totalização abstrata, metafísico-doutrinário, a partir de uma subjetividade formal para se conhecer a totalidade do homem, e enquanto forma de conhecimento que servia para que a burguesia universalizasse a concepção acerca do homem, na unidade de sua essência. Já o materialismo de Marx não considerava a metafísica para se chegar à compreensão da totalidade do ser. Era preciso compreender a evolução histórica e material, objetiva, real, do processo de construção humana para se chegar à sua totalidade.

Sartre via nessas concepções uma dicotomia justamente porque ambas estão em extremos, sendo o idealismo uma concepção abstrata, que a partir da subjetividade formal colocava-se como uma forma de conhecimento universal a respeito da realidade e da essência do homem, e o materialismo, um processo histórico e objetivo de construção humana para se chegar à totalidade de sua realidade, a partir das condições e resultados das ações do próprio homem como agente de transformação social. 

Para o filósofo era preciso relativizar o idealismo, uma vez que este recusa a visão conceitual da relação entre a objetividade e a subjetividade para se chegar à universalização acerca da essência do homem, ou seja, uma vez que o idealismo não analisa as condições e os resultados de uma ação que está na mediação do agente, a partir da intencionalidade da prática humana como forma de transcendência do ser humano pelo próprio ser humano. Por outro lado, e de igual forma, era preciso relativizar o materialismo, porque este não conseguia interpretar a realidade de forma universal, a partir das ações concretas do homem.

Noutras palavras, suas críticas eram de que, em suma, o idealismo, de um lado, prejudicava a formação de uma doutrina que fosse eficaz, porque se separa a teoria da prática, e por outro lado, o materialismo, se dogmatizava e se tornava ideologizada enquanto uma prática e verdade absoluta, bem como uma política que visa transformações sociais de ordem prática, em totalmente separação com a teorização (valores e princípios) de sua dita verdade. Por tal razão, o materialismo não foi uma resposta ao idealismo, na medida em que ele analisou a realidade enquanto objeto e não como uma prática sobre o sujeito, ficando com a compreensão de que subjetividade seria a representação do sujeito sobre a realidade e sobre suas práticas na realidade, onde a realidade seria estática, passiva, e o sujeito, ativo, o que não se traduz numa forma de relação dialética, produzindo, dessa forma, um prejuízo em separar a teoria e a prática para o conjunto de ideias, com o risco de se tornar uma doutrina sem perfil e eficácia.

Portanto, depreende-se que na concepção sartreana, a dicotomia entre o idealismo e o materialismo, na realidade, tratava-se de um idealismo vulgar, pois ambas as concepções tem por pretensão uma racionalidade constituinte, onde no idealismo postula-se a consciência constitutiva com a subjetividade constituindo a objetividade, e no materialismo postula-se a consciência constituída, com a objetividade constituindo a subjetividade. 

De igual forma, pode-se concluir que Sartre tenta superar teoricamente a exigência da interpretação materialista da história com a exigência da compreensão do caráter existencialmente singular da ação ao apontar que o conhecimento consiste na inteligibilidade dialética que articula a efetividade do processo real da realidade (materialismo) com a conduta ativa da atividade (subjetividade) do sujeito. A relação entre o sujeito ativo e a realidade ativa, faz com que a verdade nasça Na relação concomitantemente, sendo fruto das mudanças em ambas às instâncias, ou seja, da atuação do objeto em relação ao sujeito e do sujeito em relação ao objeto, em via dupla. 

A verdade não é concebida como invenção do sujeito, não se trata de produção subjetiva, ela se revela (desvela-se) na realidade onde o sujeito está, a partir da ação deste homem, que se manifesta historicamente. Nas palavras de Silva, “a verdade consiste em haver coisas, em haver mundo, e a relação entre o ser das coisas e o sujeito é de constante revelação, que propicia ao sujeito a exploração deste haver” (2013, p. 74). É com a experiência histórica do sujeito face à realidade que a totalidade da verdade se manifesta, ou nas palavras de Sartre, “a verdade não é uma organização lógica e universal de ‘verdade’ abstratas: é a totalidade do Ser na medida em que se manifesta como um há na historialização da realidade humana” (1973, p. 55).

Nesse sentido, a verdade se manifesta com a realidade objetiva do mundo, a partir da analise de maneira subjetiva da realidade, sendo tal analise subjetiva aquela que compreende que o sujeito é agente transformador da realidade concomitantemente à realidade ser agente sobre o homem, o que promove uma relação dialética. 



DUPLO MOVIMENTO DA SINGULARIDADE: CONSTITUÍDA PELA HISTÓRIA E CONSTITUTIVA DO HISTÓRICO: 

A singularidade do sujeito pode ser considerada abstrata se for analisada no ponto de vista de sua particularidade, porém, a singularidade é parte integrante do processo histórico, uma vez que é nela que o individuo se produz, individualmente e historicamente, onde, de forma concreta, ele produz a história e ao mesmo tempo se torna que o é, por meio de suas condições de inserção na situação onde se encontra.

Desconsiderar essa relação ativa do sujeito no fazer histórico, e enquadrá-lo numa análise objetiva, universalizadora, a partir de uma visão unilateral da história, enquadrando-o como ser abstrato e mero componente de elementos estruturais, tais como povo, nação, burguesia, classes, e etc., faz com que a análise da prática também seja abstrata, unilateral, pautada por um determinismo meramente lógico-causal.

O que Sartre queria com as relações mediadas entre o geral e o universal era justamente situar o sujeito não apenas em relação ao universal abstrato com o particular abstrato, e sim, demonstrar a subjetividade que engendra a singularidade, partindo de condições gerais.

Considerar a universalidade, a partir de suas condições, deve significar tê-la como perspectiva metódica, como parte que integra a produção de uma verdade que se encontra numa relação que dialoga as condições de conhecimento e as considerações da singularidade que o sujeito possui. Noutras palavras, somente as condições particulares do sujeito podem ser consideradas como mediações para se apreender, de fato, a inserção que o individuo produz no fazer histórico, bem como o seu modo singular de se expressar a universalidade. A totalização só pode ocorrer, portanto, sendo resultante de uma aplicação heurística dos conceitos gerais no processo de compreensão da singularidade do sujeito em sua própria historia, em seu agir, em seu próprio devir.


BIBLIOGRAFIA:

SARTRE. Jean Paul. Questão de Método. Tradução brasileira de Bento Prado Júnior. Editora Nova Cultural, São Paulo, 1973, Capítulo II, p. 115-154 (Coleção Pensadores).

SILVA, Franklin Leopoldo e. Unidade III – Considerações sobre Questão de Método (primeiro capítulo). In: Contemporânea I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Unidade IV – Considerações sobre Questão de Método (segundo capítulo). In: Contemporânea I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013.

OBSERVAÇÃO:

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina "HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA – GUIA DE ESTUDOS" da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 20/02/2014.

VEJA TAMBÉM:

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA II – O EXISTENCIALISMO COMO HUMANISMO EM SARTRE - CONTINUAÇÃO




Este texto é a segunda parte de um estudo sobre Filosofia Contemporânea, notadamente, do existencialismo proposto por Jean-Paul Sartre. Para que o leitor possa compreender o texto abaixo, sugiro a leitura antecipada da primeira parte.




SIGNIFICADO DE FILOSOFIA 

Em Questão de Método há a análise filosófica da relação entre marxismo e existencialismo, notadamente, da existência de uma antropologia filosófica, ou seja, da possibilidade do conhecimento filosófico do homem. Nesse sentido, é necessário compreender o significado da filosofia, ou seja, suas condições de surgimento e sua modalidade de expressão. Compreender o significado da filosofia é diferente de defini-la. A definição está ligada ao seu devir, já o seu significado trata de suas condições de aparecimento e de articulação expressiva, razão pela qual, pode-se falar em filosofias, uma vez que sua manifestação se dá vinculada a condições históricas de aparecimento.

Sartre, dessa forma, afirma que a finalidade de uma filosofia é “dar expressão ao movimento geral da sociedade; e, enquanto vive, é ela que serve de meio cultural aos contemporâneos”. Noutras palavras, a filosofia tem sua contemporaneidade justamente porque ela sempre se manifestada de forma situada, expressando determinada situação histórica, manifestando o tecido das relações sociais de um momento num determinando momento, onde a coletividade e o individuo desenvolvem um perfil de realidade histórica.

Sartre também assevera a relação entre universidade e singularidade, onde a primeira ultrapassa a segunda, ou seja, onde a filosofia de uma determinada época ultrapassa o filosofo que primeiramente a constituiu. Isso se dá porque o sentido atribuído à uma determinada filosofia é vinculada ao filósofo que a construí. Essa singularidade do individuo-autor que a produzira faz com que se possa compreender o sentido da filosofia proposta de forma que o supera enquanto individuo. Por tal razão, o projeto reflexivo sobre o método de Descartes pode ser ultrapassado pela filosofia de Sartre, uma vez que ao articular a consolidação das consequências culturais e ideológicas advindas da singularidade de Descartes, pode reinaugurar a subjetividade da filosofia, permitindo que a burguesia ascendente tivesse consciência de si como classe, opondo-se à uma visão de mundo ao ideário tradicional. De igual forma, essa relação entre a universalidade e a singularidade permite estabelecer o devir do cartesianismo, com suas transformações ao decorrer das mudanças históricas, produzindo novas visões de mundo e de suas expressões.

A vinculação de uma filosofia à sua contemporaneidade a torna insuperável como expressão de sua época porque, ao expressar o movimento geral da sociedade, busca-se a totalidade de sua contemporaneidade. É a constituição de uma visão de mundo que não se reduz ao mero saber organizado, mas envolve outros aspectos da vida individual e coletiva, produzindo uma representação em que todos os pormenores contribuem para a constituição dessa universalidade. É a totalidade a unificação de tudo aquilo que se constitui a própria época, e a que possibilita produzir uma representação que se torna problemática com o decorrer do processo histórico científico, podendo submergir ou transformar-se no processo de mudanças sociais.



SITUAÇÃO E TOTALIZAÇÃO

Essa totalização de uma época onde se pode compreender uma filosofia deve ser articulada com a noção de situação, ou seja, compreendendo os limites que constituem uma época, já a filosofia produzida deve ser entendida como situada numa limitação facticamente determinada. Ao mesmo tempo, essa situação aponta para a possibilidade de totalização, ou seja, para a compreensão completa do sentido do homem que produzira uma determinada filosofia. 

É a relação entre singularidade e universalidade que pontam para a totalização como desejo do individuo, grupo ou classe para que possam ser entendidos, a partir de suas possibilidades e impossibilidades. Essa totalização tem seus limites pela situação, que pode ou não unificar seus elementos, que pode pensar na totalidade e experimentá-la. 

Assim, uma filosofia é a expressão insuperável do seu próprio presente, e de como seus sujeitos viveram a experiência a partir do momento em que os situam no modo da totalização. A verdade histórica dessa filosofia é a compreensão dos seres humanos agindo numa determinada situação que os constitui ao mesmo tempo em que eles a constituem. Tal reciprocidade aponta para o significado da subjetividade na história.



HEGEL E A FILOSOFIA COMO SABER TOTALIZADOR

Hegel explicita a filosofia como saber totalizador ao entender que o projeto filosófico é a constituição do saber sistemático sobre o processo enquanto um todo, entendendo-o na lógica da realidade, e na realidade de sua racionalidade. Noutras palavras, não se analisa o projeto filosófico por fora, enquanto expressão filosófica do seu presente e de sua época totalizada pelo saber, mas visa também que seja a expressão filosófica da própria filosofia, ou seja, a compreensão racional do processo histórico realizado. A realidade (sua natureza e história) não é mero objeto da história, ela é incorpora a si mesma, dissolvida, experimentada. É o saber e a experiência entrelaçados numa conciliação racional. É o que é vivido integrado na universalidade do que se torna absoluto, enquanto expressão verdadeira do processo da realidade.



KIERKEGAARD E A IRREDUTIBILIDADE DO VIVIDO

Se Hegel entende que a contemporaneidade da filosofia se dá com a racionalidade sistemática, onde a totalidade se dá na unificação entre o saber (a razão) e o vivido (a experiência), Kierkegaard o contraria, afirmando a irredutibilidade do vivido. Nesse sentido, existir traz o dilaceramento da subjetividade, o que é irredutível a um sistema de saber onde a subjetividade é incorporada numa totalidade de forma apaziguada. Com a representação da obstinação do individuo, que é irredutível na sua experiência, o filosofo dinamarquês afirma que o sofrimento só pode ser um saber se for explicada pela abstração da existência. A experiência da existência, do sofrimento vivido, faz com que o homem só possa ter a razão absoluta quando for conceitual, quando for pensada de fora de si mesmo, sem haver a identificação da subjetividade na generalidade da síntese conciliadora. Não se tem como a subjetividade se tornar objeto de um saber, uma vez que a mesma desaparece no contexto da totalidade e nos procedimentos conceituais generalizantes. A existência é essa interioridade que colide contra toda filosofia, uma vez ser a subjetividade de uma profundidade infinita que vai além da linguagem enquanto expressão do sujeito com o outro ou com Deus.

Por isso, para compreender o movimento geral de uma época expresso numa filosofia, é preciso entender que não se supera a contradição entre o finito e infinito, ou seja, é preciso entender que Kierkegaard se integra no hegelianismo quando se resiste a soberania da intelectualidade com a sua necessidade de manifestar a realidade essencialmente lógica, passando a considerar a subjetividade enquanto objeto de um saber que pode adquirir sentido pleno. 

Para Sartre, Kierkegaard aponta para o primado da subjetividade contra o primado da razão objetiva. É certo que as realidades da subjetividade somente podem se incorporar ao sistema do saber racional por meio da idealização. No entanto, o filosofo francês diz que tanto Hegel como Kierkegaard tem razão, porque do ponto de vista da totalização, a subjetividade é, ao mesmo uma determinação mediada, que passa por um percurso logico que desvenda a realidade visando se tornar uma totalidade absoluta (devir), e uma experiência concreta da sua própria constituição, já que a originalidade de sua experiência só se pode ser integrada ao saber da totalidade se for dissolvida do seu teor singular enquanto experiência vivida, ou seja, se for idealizada. 

Porém, se considerada a filosofia do ponto de vista de expressão histórica do espirito objetivo de uma determinada época, a subjetividade com sua irredutibilidade da dor, da paixão, do sofrimento atestando uma realidade, só pode ser integrada ao saber da totalidade por meio de uma decisão filosófica sobre a relação entre singularidade e totalidade. Sartre salienta que se há algum saber sobre a subjetividade é porque existe um trabalho sobre as oposições internas ao sujeito e não sobre o que seja a subjetividade mesma, havendo uma distancia entre a realidade e o saber que pode ser intransponível, e em razão disto, essa intransponibilidade de se conhecer a subjetividade em si mesma pode colocar limites para o idealismo objetivo. 



OBJETIVAÇÃO E ALIENAÇÃO

O objetivo de Sartre ao realizar a comparação entre Hegel e Kierkegaard decorre da perspectiva marxista que possuía, onde a objetivação da produção filosófica e alienação não são consideradas como sinônimos, uma vez que se o homem produz e reproduz a realidade, o mesmo deveria se reencontrar na objetivação desta superestrutura de consciência social. O homem não se reconhece no que produz é porque seu trabalho é alienado, em decorrência do conflito entre as forças produtivas e as relações de produção. A alienação se manifesta como realidade histórica irredutível de uma ideia. É necessária uma ação na prática que faça com o que trabalho seja objetivado e não alienado. 

O mundo enquanto conjunto de fatos decorrentes da vivencia e produção humana não pode negar a presença da subjetividade. É necessário que o homem se veja no mundo que ele produziu e que a objetivação aconteça por sujeitos agentes, caso contrário ela se torna alienação, fazendo com que o homem não se reconheça no mundo objetivado. É o primado da ação, onde o homem pode ver o mundo como fruto de sua atuação. E isso significa a representação do homem concreto. A compreensão objetiva do homem, portanto, é considerar sua subjetividade concreta, por meio de sua existência, pela natureza de seu trabalho, na luta contra as coisas e os homens.

Sartre deseja é a perspectiva antropológico-filosófica que se fundamenta com a primazia da ação como decorrente do agente. É a especificidade da existência humana que se configura em ações pela necessidade e pelo trabalho. A realidade objetiva do sujeito é a sua condição original, e não a perspectiva que considera o sujeito como objeto. Sua condição original de objetividade enquanto sujeito é a realidade objetiva. Assim, se o homem é visto como objeto, não se vê essa objetividade da realidade. Sartre associa a objetivação, portanto, ao reconhecimento, o reconhecimento do homem enquanto sujeito. Se isso não acontecer, trata-se de alienação e não objetivação do sujeito.



MARX E A PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICO-FILOSÓFICA

A especificidade da existência do homem e a possibilidade de conhecê-lo na sua realidade objetiva concreta são os requisitos da perspectiva antropológico-filosófica sartreana. Baseado na via da totalização, é com Marx que o mesmo vê o homem como o tema imediato da totalização filosófica, uma vez que considera-se a busca da especificidade da existência. É essa especificidade que faz com que Marx contrarie tanto Hegel como Kierkegaard, pois, mesmo considerando ser a subjetividade enquanto especificidade, isso não é impeditivo para conhecer a realidade objetiva do sujeito, não no sentido cientifico, mas sim na totalidade do homem concreto.

O existencialismo considera a necessidade da dupla exigência (conhecimento da especificidade concreta da existência e o conhecimento da realidade objetiva do homem), pois considera historicamente, que após a segunda guerra fez com que o arsenal político burguês hegeliano desse espaço para a violência do invasor, deixando de ser uma mera cogitação de via teórica para uma experiência de uma situação, de ser uma ideia e expressão de racionalidade.

Por outro lado, o existencialismo sartreano também não pode ser um subjetivismo formal ou abstrato. A subjetividade supera a pretensão totalizadora de Hegel porque é um percurso lógico, uma experiência histórica, fruto da relação entre o individuo e a totalidade, entre a singularidade e a universalidade.



BIBLIOGRAFIA:

SARTRE. Jean Paul. Questão de Método. Tradução brasileira de Bento Prado Júnior. Editora Nova Cultural, São Paulo, 1973, Capítulo I, p. 115-132 (Coleção Pensadores).

SILVA, Franklin Leopoldo e. Unidade II – Considerações sobre Questão de Método (primeiro capítulo). In: Contemporânea I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013.



OBSERVAÇÃO:

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina "HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA – GUIA DE ESTUDOS" da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 20/02/2014.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA I – O EXISTENCIALISMO COMO HUMANISMO EM SARTRE




O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento da Unidade 1 do Guia de Estudos (SILVA, 2013), da disciplina “História da Filosofia Contemporânea I” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras.

Trata-se de estudo sobre o existencialismo sartreano e as críticas que o mesmo sofrera, sobretudo, do existencialismo cristão e do marxismo. Sugiro que você leitor que se interessou pela temática, caso desconheça a história do filósofo francês Sartre, que acesse esse link, leia-o e a partir disto, compreendendo um pouco sobre o autor em tela, realize a leitura do fichamento abaixo. Bons estudos!




FILOSOFIA EXISTENCIAL E ÉTICA: 

Em O Ser e o Nada, em suas últimas páginas, Sartre apresenta uma série de questões de ordem moral decorrentes de reflexão ontofenomenológica, que apontam para uma relação entre liberdade e valor. Essa relação analisa o sentido absoluto da escolha pela qual o sujeito se constitui e tem como temática a presença da subjetividade na condição ética que caracteriza a realidade humana.

As maiores críticas que surgiram ao perfil de concepção existencial de Sartre dirigem-se as questões éticas acerca das consequências das teses ontológicas produzidas, sobretudo, no que se refere à solidão e à angústia, decorrentes da definição da consciência como liberdade originária de escolher e de se escolher. 

Em O Existencialismo é um Humanismo, o filósofo francês refuta as criticas com o intuito de defender o existencialismo. Tal defesa se dá porque as criticas não dizem respeito aos aspectos mais originais da ontologia fenomenológica de Sartre. Ao contrário, fundam-se na dimensão ética, uma vez que o procedimento adotado por Sartre visa condutas de uma subjetividade intencional enquanto existencialista, e, sobretudo, porque as noções que fornecem a compreensão existencial das condutas relacionam-se aos modos de ação do sujeito, onde o “Para-Si” é o fazer a si próprio, a partir de escolhas livres que definem projetos entendidos como modos pelos quais a subjetividade antecipa a efetuação da existência, conduzindo à questão ética dos critérios de auto-constituição do sujeito. 

Outro objetivo do autor com a conferência acima citada era refutar criticas de que sua filosofia existencial era um anti-humanismo, sobretudo, de dois tipos: um tipo de crítica que apontava ser um espiritualismo difuso, e outro que inscreve o existencialismo na vertente tradicional dos filósofos da subjetividade. Ambos assinalam que o existencialismo difere-se pela exacerbação do solipsismo implicado na afirmação do cogito e suas consequências.

Sartre refuta a possibilidade de solidariedade de fatores externos (transcendentes a contingencia humana ou do plano de construção da comunidade histórica), quando aboca para a consciência determinada que cada indivíduo tenha de sua realidade na totalidade, negando de vez o humanismo vinculado à transcendência metafísica e ou à condição histórica. A partir disto, surgem criticas sobre um possível niilismo a partir dessa nova filosofia, bem como uma querela com o existencialismo cristão, herdado de Kierkegaard, e discussões que se referem ao sentido da transcendência. 



A SUBJETIVIDADE E A LIBERDADE: 

O existencialismo, cristão ou ateu, entende que a “existência perece a essência, ou se se preferir, que é necessário partir da subjetividade” (SARTRE, 1987, p. 5). Sartre tentando defender o existencialismo das criticas que existiam, considerava ambas as afirmações equivalentes. Porém, não é tão clara essa ambivalência. 

A definição clássica de ser “necessário partir da subjetividade” foi utilizada por Descartes, para construir a filosofia essencialista por meio da subjetividade, porque entende que nesta há uma essência capaz de definir o homem, que não tem origem nele próprio, mas em Deus. 

A essência da subjetividade que fora apontada por Descartes foi objeto de crítica de Sartre que pedia a coerência do existencialismo cristão que concebia um Deus criador e ao mesmo tempo a existência como ponto de partida, uma vez que Deus sabia o que se criaria antes de criar, havendo uma anterioridade do saber em relação à criatura, ou seja, havia uma anterioridade do conceito em relação à coisa ou da essência em relação à existência.

Isso se dá porque na concepção do existencialismo sartreano, que é ateu, o homem só pode ser designado como o ser em que a existência preceda a essência, uma vez que somente neste caso o homem pode ser definido como aquilo que a posteriori fizer a si mesmo. A precedência da existência em relação à essência significa a recusa da noção de natureza humana. É a ausência de natureza no homem que o faz definir o seu ser como o existir, isto é, em vez da plenitude identitária, há o constante processo de vir-a-ser que nunca se consolida como ser. No ponto de vista do conhecimento, isso significa que não há acerca do homem uma inteligibilidade a priori que condicione universalmente tudo que pudermos vir a saber sobre ele. O homem, assim, não é universalmente condicionado à priori porque ele é a própria condição imanente do que possa vir a ser.

Pela precedência da existência pode-se ter a radicalidade de entender o homem como sujeito, na medida em que a subjetividade é uma consequência da prioridade da existência como consciência ou “Para-si”. Isso aponta que o homem não deve a qualquer outra instancia a sua condição de sujeito, sendo tal condição reiterada no seu exercício efetivo, precisamente por não ser essência, uma vez que a subjetividade não é prerrogativa essencial da alma. Na subjetividade está a realidade humana, sendo tomada na sua inteira contingencia. 

Exercitar a subjetividade na contingência é a liberdade. A descrição ontológica que acede à liberdade elucida a consciência. O caráter originário da liberdade se dá quando o homem recusa o Deus criador, e passa ser o homem a origem do próprio homem, ou seja, a liberdade. Origem, nesse contexto, é a indeterminação originária que é a única descrição que convém à liberdade, sendo, a identificação entre subjetividade e liberdade completa. 

  


DESAMPARO E RESPONSABILIDADE: 

Na existência ou realidade humana, quando da identificação entre subjetividade e liberdade surge outra característica do ser: o desamparo. Trata-se da condição originária constitutiva da existência, uma vez que o homem jamais teve em que se amparar. Não é abandono. É a condição do próprio homem. O desamparo, portanto, não é negativo. Nada havendo que possa amparar a si ou à sua liberdade, o homem está inteiramente entregue a si mesmo, à sua liberdade e à sua responsabilidade. 

Nesse sentido, a filosofia de Sartre difere-se da metafisica tradicional e também do existencialismo cristão, no que se refere ao sentido da transcendência. A transcendência deixa de ser algo no sentido que exista antes ou acima do homem e passa a ser uma ação humana: é o homem que se transcende quando projeta no futuro aquilo que tem de ser, ou o que há de fazer de si mesmo. Se a transcendência pode ser representada como o além do homem, é, no entanto, o próprio homem que se lança para além de si, por via do que projeta ser. O caráter originário da liberdade e o caráter não outorgado da subjetividade fazem com que não haja propriamente limites, nem transgressão. Sem valores pré-estabelecidos, há um estado de desamparo da realidade humana. Todas as possibilidades são instituídas no âmbito da realidade humana pelo sujeito. Não há nada fora da realidade humana. O homem será sempre unicamente o que tiver feito de si.

Por tal razão, é o homem inteira e unicamente responsável por si mesmo. Se tudo é permitido, cada um escolhe o que lhe é permitido fazer, sem critérios previamente definidos, assumindo a responsabilidade pela escolha. A condição humana é, portanto, condição de total responsabilidade por ser a condição de liberdade total. A subjetividade só pode atingir a realidade e a radicalidade de seu significado se associada ao peso de liberdade, ou seja, à responsabilidade que decorre de sua liberdade.

O alcance de tal responsabilidade está no alcance universalmente humano que reveste cada ato individual, pois os valores são criados pelo homem (e não mais por critérios superiores aos homens), que os universaliza. Não se tem valores universais a priori. Torna-se universais as opções feitas pelos homens, e assim, cada um escolhe por todos e cada vez que escolhe para si mesmo. 

Pela essência não preceder a existência, significa que a humanidade não precede o homem, e por isso, que cada homem, encarnação concreta e singular da humanidade, necessariamente, confere às suas opções o estatuto de universalidade. 




SUBJETIVIDADE E UNIVERSALIDADE: A ANTIGUSTIA: 

A angústia é a consequência do sofrimento da liberdade, é o alcance dessa responsabilidade, onde a angustia deriva de que cada uma das escolhas há também uma legislação de teor universal. Decorre da relação complexa entre subjetividade e universalidade. Diferente da tradição onde a subjetividade pode participar de uma universalidade transcendente, que a superava e a fundava, na universalidade do existencialismo, a subjetividade é a liberdade absoluta à qual o sujeito se encontra, ao transpor os limites de sua existência humana, e a partir disto, dentro dessa limitação, ao se exercer a liberdade ilimitada, de suas escolhas, se tem o universal. Ao se escolher ou escolhendo para o si, o sujeito escolhe também certa imagem que é o homem, universal. Aqui está o sentido ético da escolha existencial, onde ela é um juízo, e a cada escolha, há um juízo, de acordo com a responsabilidade que é inerente ao julgamento, enunciando um juízo universal.

A subjetividade sartreana é diferente da subjetividade clássica. Nesta ultima, a subjetividade é uma substancia dotada de atributos, entre os quais uma vontade livre que pode associar-se ou submeter-se aos outros atributos. A liberdade aparece como algo que o sujeito tem. Nesse contexto, a subjetividade sartreana é criticada, levando em consideração fatores externos à subjetividade, pelo humanismo existencialista cristão (onde se nega a realidade a seriedade dos empreendimentos humanos, que suprimem os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade), e pelos marxistas (que entende que a subjetividade sartreana incita às pessoas a contemplação, e a permaneceram no imobilismo do desespero).

No entanto, Sartre refuta tais críticas ao entender que a vida humana tem de ser possível a partir de si mesma. Propõe a superar a dicotomia presente nas duas críticas, ou seja, de um lado, certo espiritualismo (metafisica cristã) que privilegia a interioridade, e de outro lado, o privilegio da exterioridade como natureza e historia exercendo função condicionante sobre a subjetividade. É a recusa de uma interioridade subjetiva que se apresenta como dependente da ordem divina que a determinaria, bem como uma subjetividade exteriorizada no reflexo da história que também a determinaria. Noutras palavras, para não se alienar, o existencialismo recusa a identificação extrínseca do existente, seja como metafisica do absoluto, ou como metafísica da história.



CONTINGÊNCIA E DESESPERO: 

Sartre aponta que o desamparo e a angustia são decorrentes do existencialismo. O primeiro trata-se do traço antológico distintivo do existente, ou da realidade humana, onde se está num mundo sem razão ou essência que justifique a existência, e sem nenhuma definição previa que possa orientar o uso que deveria fazer da liberdade. O outro, é um traço ontológico, pois, como nada orienta previamente o exercício da liberdade, em cada ato livre comporta a responsabilidade pela invenção do valor que lhe corresponde, e a cada vez que se exercer a subjetividade livre, defino ou invento o homem, uma imagem que projeta universal e imperativamente a partir da escolha, que tem valor absoluto, uma vez que não depende de mais a não ser da própria liberdade. Essa angustia é decorrente do mundo opaco e de si mesmo, inerente ao ser finito.

O desespero é outra característica do existencialismo. É a ausência de rotas previamente traçadas no caminho da subjetividade. As escolhas se que faz por entender o que se deve ser, se dá num contexto de uma existência inteiramente contingente (de possibilidades, eventualidades), uma vez que não há qualquer determinação previa em relação aos acontecimentos nos quais as ações se inscrevem. O objetivo da ação nunca está prefigurado nela mesma, e o acontecimento não segue necessariamente o projeto e as intenções de quem o faz, razão pela qual Sartre estabelece a relação entre possibilidade e realidade no plano de ação como “agir sem esperança”, ou “não é preciso ter esperança para empreender” (SARTRE, 1987, p. 12 e 13).

Assim, refuta-se a acusação de quietismo, feita pelo existencialismo, uma vez que o desespero não inibe as iniciativas humanas. Não se deixa de agir porque a simples existência já é liberdade. Age-se porque o homem não sendo pré-definido por qualquer essência, precisa se fazer a si mesmo. Cada um é o que faz de si e nada mais do que isso. O desespero consiste em que, não tendo domínio antecipado sobre o curso dos projetos, define-se, entretanto, pelas ações efetivas, sendo inteiramente responsável pelos resultados. 



O CARÁTER HISTÓRICO DA EXISTÊNCIA: 

Agir sem esperança não é pessimismo, e sim ter consciência do caráter histórico da existência e do exercício da liberdade, ainda mais quando se trata do contexto das ações históricas, onde se depende de outros que também agem livremente. A expectativa de uma eventual unidade de ação que concorra para a consecução de certos objetivos situa-se no plano das possibilidades. Por tal razão, a ação é limitada não apenas no horizonte de sua efetividade, porque se não domina as circunstancias, mas também porque outras ações a limitam, num jogo de possibilidades. A liberdade de eleger a cada momento a ação impede que se estabeleça qualquer representação inteiramente clara quanto à efetivação de qualquer projeto.



O ENGAJAMENTO: 

O caráter histórico da existência repercute em outro problema que é o engajamento. Como o sujeito pode se comprometer com determinados objetivos históricos se não se tem condições de prever aonde conduzirá a própria ação assim como as dos outros? Se não se pode esperar nenhuma convergência e unidade efetiva das próprias ações e nem daqueles com quais se compartilha certas expectativas, qual sentido tem o compromisso? 

Não se pode afirmar nada a esse respeito porque querer antecipar o futuro seria como antecipar a realidade antes que ela se faça, isto é, antes que os homens se façam e façam a história. O compromisso está nesse sentido relacionado com o desespero, porque nenhum engajamento pode ocorrer a partir de uma garantia do futuro. Acreditar que há uma continuidade de ações que tende a superar a limitação dos projetos individuais é falso otimismo, uma crença no determinismo e, portanto, uma negar a liberdade. 

A objeção marxista acerca do sentido do compromisso é respondida por Sartre ao mostrar que o engajamento livre não pode se fundamentar num determinismo histórico. Associar o compromisso à liberdade se dá com a exclusão do engajamento histórico com sua certeza e determinação. Ele não se universaliza pela continuidade determinada das ações, mas sim de acordo com os limites impostos pelo presente que constitui o quadro de possibilidades imediatas. Só se tem saber histórico com a liberdade histórica, por via das subjetividades agentes, que agem sem esperança, ou seja, que se comprometem sem qualquer certeza. 

Antes de compreender o homem, a ação e a história, isso significa que é preciso compreender os limites do processo de existir no contexto do desenrolar da ação histórica, pois dessa forma compreende-se que há limites sem que se possa conhecê-los de forma objetiva, uma vez que os limites são existenciais e históricos, dando-se a conhecer na medida em que se constituem, e se constituindo na medida em que o sujeito tenta superá-los. Isso aponta para a importância da práxis, em Sartre, pois ela é vivida na forma dos projetos e dos limites que o sujeito enfrenta para realiza-la. 

O individuo, ao se definir pela condição, ou seja, pelo conjunto de limites que se esboçam enquanto situação fundamental do universo, vê em seus projetos humanos, tentativas de transpor, afastar, negar ou se adaptar à tais limites. Como consequência tem-se que qualquer projeto, por mais individual que possa ter, tem um valor universal. Nesse sentido, Sartre considera “que exista uma universalidade humana de condição”, pois “é sempre necessário estar no mundo, trabalhar, conviver com os outros e ser mortal”. A universalidade é uma essência metafisica anterior a existência concreta do sujeito. São traços ontológicos comuns a uma condição compartilhada, que configuram limites tantos objetivos (porque inerentes à condição humana) como subjetivos (porque cada sujeito os vive singularmente).



UNIVERSALIDADE DE CONDIÇÕES E INTERSUBJETIVIDADE: 

Considerando que o ponto de partida só pode ser a subjetividade, porque é a única verdade apreendida diretamente, Sartre afirma que a universalidade de condição tem três finalidades: uma, fixar traços ontológicos comuns a todos os homens na forma de limites definidores da existência histórica; outra, colocar, segundo o critério da condição existencial, o problema da alteridade ou da intersubjetividade; e por fim, responder a uma objeção concernente ao possível subjetivismo da filosofia da existência. Tal apreensão significa um modo de inteligibilidade processual, o único compatível com o processo existencial e o processo histórico. É uma inteligibilidade dos limites e de como o sujeito se constrói tentando ultrapassá-los. O que os projetos humanos têm em comum são esses limites, essa construção, que é uma auto constituição da subjetividade. É a própria realidade em processo de auto constituição que impede que se conheça o outro de forma clara e definitiva, e de igual forma, impede conhecer-se a si mesmo. Só se conhece experimentando os próprios limites e só se conhece o outro pelos seus limites, na partilha de uma finitude que seja comum. Pelo projeto que o outro desenvolve na temporalidade contingente, de caráter limitado e provisório, faz com que se permite conhece-lo. A alteridade não é, portanto, obstáculo intransponível para a intersubjetividade, desde que não se pretenda conhecer o que o outro é, mas sim a construção sempre inacabada que ele faz de si mesmo. Isso se dá porque a universalidade está em cada escolha, não como critério dado, mas como invenção de si mesmo. Assim, cada um constrói o universal, escolhendo, sob a égide da universalidade, o que fará de si. A universalidade é presente na condição humana na medida em que faz parte de cada opção. Não se pode não escolher, e de igual, é impossível que, ao escolher, não se escolha para todos, porque se inventa em cada escolha o valor que a reveste, e então, inventasse o universal a partir da singularidade. 

A consciência se define enquanto liberdade, porém, encarnada na história, confronta-se com as liberdades. O desejo de liberdade não é para o próprio sujeito e para os outros, nem a vontade de estabelecer uma relação com algo que está fora de si próprio, mas sim é a tentativa de exercitar a sua condição, cujo conhecimento implica a universalidade da condição, isto é, a liberdade também como definição do outro. Há uma influência significativa em Sartre da ideia hegeliana de conflito das consciências, ou a dialética do senhor e do escravo. Para Hegel, a minha subjetivação como ser livre se dá como objetivação do outro e negação da sua liberdade. Sartre apresenta como resposta ao impasse, a incompletude do reconhecimento como limite comum, presente tanto no reconhecimento de si mesmo quanto no reconhecimento do outro.

Conclui-se que suspenso ser possível conhecer o outro na medida em que também não existe a possibilidade de que se venha a conhecer a si mesmo completamente. O sujeito não está fechado em sua subjetividade porque a subjetividade não é fechada. Por ser processual e incompleta, faz com que o conhecimento que o sujeito pode ter de si mesmo e do outro nunca se consolide numa definição, o que não exclui a possibilidade de se fazer uma objetivação do outro, que será sempre um conhecimento do outro para si próprio e não, nunca, uma definição em si mesma. Por ser consciente dessa incompletude inerente ao processo aberto da existência, o sujeito poderá entender que a intersubjetividade não é intercognoscente, mas algo como a interconsciência da falta constitutiva do sujeito na condição humana. 



LIBERDADE E VALOR

Considerando a impossibilidade se construir o reconhecimento de si mesmo e do outro, há a indagação da possibilidade de se constituir um isolamento de cada um em sua própria liberdade, uma vez que na medida em que cada é inteiramente livre para exercer suas escolhas, “cada um de nós pode fazer o que bem entender” e, não sendo qualquer opção em si mesma preferível à outra, não haveria como julgar qualquer escolha ou qualquer pessoa, já que uma escolha é tão gratuita quanto a outra. 

No entanto, Sartre define a condição humana como limites a serem transpostos pela liberdade, sendo que tais limites são dados numa situação concreta, ou seja, num contexto existencial e histórico onde se exercita a liberdade e no qual se constroem os compromissos que dão sentido às opções. Isso significa que a liberdade não é o agir pelo agir, mas sim agir num contexto de uma situação específica. Dentro de uma configuração de fatos onde se encontra, e diante desses elementos, exercita-se a liberdade, ao eleger uma conduta e ao mesmo tempo o seu valor, bem como se assume a responsabilidade pela atribuição de universalidade desta escolha. Não por ser possível ter qualquer outra equivalente, mas sim porque em que não há nada que a prescrevia antes de se ter a escolhida, nem havia nenhum valor pré-estabelecido que inclinasse para a sua realização, tal escolha é gratuita. 

Ao escolher, atribui-se valor universal e há a responsabilização do sujeito por tê-la escolhido em nome de todos os homens. Escolher é instituir valor, dotá-lo de universalidade e assumir a responsabilidade. Por ter o peso de uma responsabilidade derivada da universidade do valor instituído, pode-se julgar a escolha feita. Julga-se se a mesma foi feita com autenticidade, se fora realizada por um efetivo exercício da liberdade radical. 

Tal julgamento se dá porque muitas vezes não se escolhe, deixa-se escolher, levado pelas razoes consolidadas que se expressam numa hierarquia de valores já cristalizados. Essa renuncia é a má-fé, segundo Sartre, onde a fuga da responsabilidade pelo processo do existir, pode apresentar duas formas: uma, com a dissimulação da liberdade, ocultada sob determinações de vários tipos, sob o pretexto da recusa da gratuidade; e outra, pela assunção da necessidade da existência, atitude que me leva a atribuir ao ser estabilidade, negando o processo de existir as possibilidades do ser se tornar diferente do que se é. A má-fé é o ocultamento da contingência e a tentativa de demonstrar que uma existência, sendo regida pela necessidade, não comporta liberdade ou escolha. Por ser a existência “a própria contingência do aparecimento do homem sobre a terra” (SARTRE, 1987, p. 20), crer na necessidade é alienação, ou delegar a própria subjetividade a instâncias ou princípios estranhos e contrários à liberdade. 



O HUMANISMO EXISTENCIALISTA: 

Ao considerar a contingencia, o humanismo existencialista privilegia o concreto. Não é emissão de julgamentos morais sobre a humanidade, já que esta não existe realizada. O Homem não está feito e jamais o estará, como afirma Sartre que “o homem está constantemente fora de si mesmo; é projetando-se e perdendo-se fora de si que ele faz com que o homem exista” (1987, p. 21). Essa procura fora de si significa a superação, ao transcender-se de si mesmo na sua própria direção, uma vez que por mais que transcenda, é o próprio homem que o homem encontrará, pois o ato de transcender-se constitui o próprio centro do homem. 

Para o existencialismo – e diferente do humanismo tradicional – o centro do homem não está nele mesmo, mas sim que o universo humano é aberto e descentrado, como afirma Sartre: “recordamos ao homem que não existe outro legislador a não ser ele próprio e que é no desamparo que ele decidirá sobre si mesmo; e porque mostramos que não é voltando-se para si mesmo, mas procurando sempre uma meta fora de si – determinada libertação, determinada realização particular – que o homem se realizará precisamente como ser humano” (1987, p. 22).


BIBLIOGRAFIA:

SARTRE. Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3ª Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Unidade I – Considerações sobre O Existencialismo é um Humanismo. In: História da Filosofia Contemporânea I: Guia de Estudos. Lavras: UFLA, 2013.


OBSERVAÇÃO:

Este texto é um resumo que produzi com o material de aula de disciplina "HISTÓRIA DA FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA – GUIA DE ESTUDOS" da Graduação em Licenciatura para Filosofia da UFLA - Universidade Federal de Lavras EaD Campus Governador Valadares, produzido em 05/02/2014.


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FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA II – O EXISTENCIALISMO COMO HUMANISMO EM SARTRE - CONTINUAÇÃO