quinta-feira, 24 de abril de 2014

TEORIA DO CONHECIMENTO – PARTE 4: MARTIN HEIDEGGER

O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento das atividades propostas na disciplina “Teoria do Conhecimento” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em 24 de abril de 2014.

A primeira parte deste estudo sobre a Teoria do Conhecimento em Platão, você pode acessar aqui. Já a segunda parte, sobre a Teoria do Conhecimento em Descartes e Hume, você acessa aqui. Por fim, a terceira parte, sobre a Teoria do Conhecimento em Kant, você acessa aqui.

Sugiro a leitura de duas publicações antes de ler a postagem abaixo. A primeira é o "Ser e tempo", de Heidegger”, no blog de André Coelho, em duas partes, acessando aqui. A segunda é “O homem na Filosofia de Martin Heidegger”, por Luciano Gomes dos Santos, acessando aqui


A fenomenologia existencial de Martin Heidegger

1) A crítica fenomenológica das hipostasias realista e idealista e a ideia de intencionalidade:

A teoria do conhecimento tem por escopo a análise do processo de surgimento do conhecimento para o indivíduo. Nesse sentido, o processo de conhecimento na modernidade diz respeito à verificação para validar. Heidegger ao questionar os princípios da teoria do conhecimento e a modernidade propõe que se investigue a verdade no que tange a sua originalidade. Assim, tem-se que a adequação entre presença e mundo ocorre no compreender o conhecimento e não o processo do conhecimento. É analisar se o conhecimento é verdade ou falsidade, adequado ao objeto de análise e, portanto, produz juízo verdadeiro. O filósofo critica a teoria do conhecimento moderna porque, para ele, ela não se aprofunda na originalidade do conhecimento, nem em sua verdade, não se preocupa com a questão do ser do ente que produz tal verdade, que é a quem o ser verdadeiro, em sua primeira instância, se refere, ou seja, a presença. Afirma ainda que a intencionalidade deve ser analisada enquanto desdobramento da vida real, enquanto existência que é, e deixando, portanto, de ser somente uma atitude ou uma orientação formal, abstrata. É a vida real do Dasein, ou seja, que designao tipo de comportamento no qual a realidade da vida humana produz para si mesmo e para o mundo também.


2) Proposta heideggeriana de pensar o fenômeno humano como ser-aí (dasein), ser-no-mundo e a crítica à subjetividade moderna:

Heidegger afirma que o fenômeno está inserido em tudo em que se manifesta, porém, é desprezado, cabendo à filosofia descobri-lo. O fenômeno é o ser, cabendo ao homem compreender o ser. O homem é o ser ontológico, que possui o compreender, o logos do ser. Heidegger propõe descrever a existência, porém, esta é o modo especifico de ser do homem, ou seja, do Dasein (o ser-aí), ou seja, o ser enquanto ser de fato, como se encontra no mundo, bem como o lugar em que se manifesta enquanto ser. Começa a descrever o homem na vida cotidiana, e não como se tem na filosofia da subjetividade moderna existente, onde o conhecer se dá a partir do relacionamento com o mundo, e nem como o conhecer enquanto qualidade que há o interior do sujeito.


3) A análise dos utensílios e a crítica ao primado da teoria:

Heidegger entende que o mundo é um conjunto de utensílios, isto é, coisas que serão usadas à mão, e não coisas presentes, que serão olhadas. Manuais são os entes que se manifestam para o uso, podendo ser um instrumento, um utensilio, uma ferramenta, ou seja, que possam ser manuseadas. Assim, pode-se entender como o utensilio em si mesmo se revela ao ser-no-mundo. Já a critica ao primeiro da teoria se refere aos utensílios sem ocupados e que podem ser apropriados enquanto meras coisas ou como uma função. Heidegger aponta que ambiguidades sobre o modo em que os utensílios são compreendidos, para que se rompa com uma dimensão utensiliar, ou seja, primeiro como teoria e depois enquanto prática. 



4) Crítica ao conceito tradicional de verdade como correspondência e a volta à alétheia (verdade como descoberta):

Heidegger propõe da questão da verdade com vistas a atribuir um significado diferenciado da tradição. Analisando a conceituação tradicional da verdade, procura seus fundamentos ontológicos, e aponta que o ser da verdade vincula-se à essência da verdade, ou seja, que ela ocorre e como ocorre. Ele conclui que “A verdade não possui, portanto, a estrutura de uma concordância entre conhecimento e objeto, no sentido de uma adequação entre um ente (sujeito) e outro ente (objeto)” HEIDEGGER (1993, p. 289). Assim, quando se tem um enunciado tido como verdade, isso significa que se tem o ente descoberto, não havendo adequação relacional entre um ente e outro, entre sujeito e objeto, há somente o deixar ver o ente em si mesmo. O descobrimento do ente é o ser verdadeiro do ente. A verdade quando descobrir surge, portanto, das análises do Dasein e suas atitudes tidas como verdadeiras. Assim, o verdadeiro que ocorre nessa ação de descoberta é o Dasein, a verdade é esse ser descoberto. Justamente por estar verdade a si mesmo e ao mundo, pode-se ter a originalidade da verdade. O Dasein é a verdade e está na verdade.


5) Crítica do juízo como lugar originário da verdade:

Para Heidegger, a verdade para se descoberta não passa pela teoria do conhecimento como esta se dá, ou seja, enquanto uma designação que se identifica num determinado juízo. Trata-se da buscar o que se mostra a partir de si mesmo. Para tanto, aponta três teses do que seja o conceito tradicional da verdade. A primeira diz que a verdade é um juízo, ou que se está em algum lugar e pode ser encontrada. Já a segunda diz que a verdade está na concordância que ocorre entre o juízo e seu objeto. Por fim, a terceira diz que a verdade está num juízo, sendo, portanto, uma concordância. Não se encontra numa concordância existe numa proposição, pois nem sempre uma relação se dá em concordância.



6) Martin Heidegger e a sua descrição do ser-aí:

“A teoria do conhecimento […] tem insistentemente tomado a relação sujeito-objeto como base de seu questionamento. Entretanto, tanto a explicação realista quanto a idealista tinham de falhar justamente porque o explicandum não estava suficientemente definido. A maneira segundo a qual tornar claro o problema acima determina todos os esforços de colocação da questão é evidente pelo fato de que as consequências do primeiro refinamento de nosso problema, ali onde ele é realmente realizado e alcançado, conduzem a um desaparecimento da possibilidade mesma da colocação da questão em termos de teorias do conhecimento, idealistas ou realistas.” (HEIDEGGER, M. GA 26: 163–4. Tradução nossa)


Por meio da Fenomenologia, Heidegger se põe a investigar o ser, abordando os objetos do conhecimento como eles aparecem, ou seja, como se apresentam à consciência. Para tanto, tem por ponto de partida aquele ser que se dá a conhecer de forma imediata, ou seja, o próprio homem. 

É preciso passar pelo homem para se chegar ao ser, pois o homem encontra-se sozinho e pode interrogar a si mesmo, se autoquestionar e refletir sobre seu próprio ser. É preciso partir da existência humana para que possa elevar-se até que o conheça o ser de si mesmo, pois é este o objetivo do refletir filosófico. 

Para Heidegger, o homem é um dasein, um ser que se encontra aí, é o ser-aí, é o homem tudo o que se pode dizer, pois sua natureza humana é despojada de todo atributo que possa ser estável. O “da” (aí) visa mostrar que o homem encontra-se sempre numa determinada situação, atuando nela e sempre em relação ativa com si mesmo. 

Ele não se pergunta somente sobre a sua própria existência, pelo contrário, o ser aí trata-se do ente que não se reduz a uma noção que possa ser aceita como correta numa filosofia ocidental com a objetividade pela qual o ser é definido. Não se trata de uma simples presença, de forma objetiva, é o único ente que depende de seu ser. O homem se torna um ser consciente e atua enquanto protagonista de sua existência quando se propõe à verdade sobre si mesmo, a partir de uma revelação do ser. 



7) A crítica heideggeriana à ideia de verdade como adequação do intelecto à coisa tal como desenvolvida no parágrafo quarenta e quatro de sua obra Ser e Tempo e sua defesa de que verdade é descoberta.

Heidegger quando se propõe a investigar sobre a verdade procura uma ontologia fundamental, que busque sobre o que o ser mostra de si mesmo, deixando a mera análise conceitual, fruto da tradição, para a exposição de fundamentos ontológicos, ou seja, aqueles que demonstram a originalidade da verdade. 

O “ser – verdadeiro (verdade) diz ser – descobridor” (p. 289),de Heidegger aponta para o ser verdadeiro, ou seja, onde um ser além de enunciado como verdadeiro é aquele que encontra-se descoberto, e assim não se tem uma relação de adequação entre um ente (o sujeito) e outro ente (um objeto). Há assim a possibilidade de deixar-se ver em si mesmo pelo sujeito. Assim, o descobrimento do ente, que outrora estava encoberto, é o ser verdadeiro, razão pela qual se têm que o ser verdadeiro é descobridor. 

O filosofo utiliza a figura do dasein enquanto o ser aberto para si, que se constitui para a abertura, apontando para verdade, que aberta para si mesmo, também está aberta para as coisas e para o mundo. Tem-se que a verdade ocorre quando o dasein é, não existindo antes ou depois a verdade, já que a verdade é a abertura, a descoberta, nunca o encobrimento. 

Assim, tem-se uma mudança em relação ao conceito tradicional de verdade, produzindo uma relação de adequação entre um ente (o sujeito) e outro ente (o objeto), podendo a partir de si mesmo, ser um ser descobridor, um ser ente que se permite ser descoberto, desvelado. É esse desvelamento a verdade que ocorre com o ser. 


BIBLIOGRAFIA:

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. de Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. § 9, 12, 13, 15, 43 e 44.


VEJA TAMBÉM:


TEORIA DO CONHECIMENTO – PARTE 3: KANT


O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento das atividades propostas na disciplina “Teoria do Conhecimento” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em 24 de abril de 2014.


A primeira parte deste estudo sobre a Teoria do Conhecimento em Platão, você pode acessar aqui. Já a segunda parte, sobre a Teoria do Conhecimento em Descartes e Hume, você acessa aqui.


Immanuel Kant


1) A Filosofia transcendental como análise das condições de possibilidade do conhecimento:

A filosofia transcendental engloba todas as filosofias, os sistemas e as abordagens sobre a emergência e a validação do conhecimento sobre o ser, porém, não se trata de uma ontologia. Em Kant tal termo possui a conotação de investigação sobre as condições de possibilidade de algo, ou seja, a forma como se dá o conhecimento. É na concepção kantiana que a metafísica mostra-se como uma epistemologia, ao analisar as abordagens transcendentais das condições de conhecimento a priori à experiência que o sujeito possa ter. Dessa forma, a filosofia transcendental também se caracteriza como uma crítica à própria metafísica tradicional. Essa proposta supera a crítica da razão pura porque não se restringe, como esta última, a analise apenas de conceitos fundamentais, mas se propõe uma análise que seja exaustiva, de todo o conhecimento humano que se dá de forma a priori.


2) Distinção entre juízos analíticos e sintéticos e a questão: como são possíveis juízos sintéticos a priori?

Na obra “Crítica da Razão Pura”, Kant elabora uma separação entre juízos analíticos e os juízos sintéticos, sendo os primeiros àqueles que não podem ser conhecidos, e os últimos, aqueles que podem ser conhecidos, porém, não sendo universais. Visando eliminar as duvidas sobre qual juízo fundamenta a ciência do conhecimento, Kant propõe que os princípios das ciências teóricas da razão devam ser os juízos sintéticos a priori.

Para tanto, o filósofo parte da concepção de que o objeto do conhecimento especulativo é fundamentado em princípios sintéticos, porém, ressalta que tais princípios sintéticos devem ser a priori, ao afirmar que “a ciência se baseia em um terceiro tipo de juízo, ou seja, no tipo de juízo que, a um só tempo, une a aprioridade, ou seja, a universalidade e a necessidade, com a fecundidade, e, portanto a ‘sinteticidade’” (REALE, 2005, p. 357).

Assim sendo, Kant assevera uma formulação de um juízo fundante da ciência e do conhecimento, mas que esse seja conhecido e universalizado, sendo este o “juízo sintético a priori”, tido como responsável por fundamentar, assim, o conhecimento humano.



3) O significado da “revolução copernicana” na filosofia:

Para resolver a inquietação sobre a possibilidade de se ter um conhecimento seguro e verdadeiro acerca das coisas do mundo, em decorrência da suspeita em relação ao principio da causalidade, que afirma que não existe nada na causa que contenha relação objetiva com seu efeito, e que a causalidade se dá em decorrência dos hábitos do sujeito e não do próprio mundo, Kant utilizou da revolução copernicana. Tratava-se de responder aos filósofos racionalistas, com a defesa da razão especulativa e produção de filosofia com viés dogmático, bem como aos empiristas, que entendiam que o conhecimento humano se dava de forma exclusiva, a partir de experiências sensíveis.

Para tanto, o filósofo classificou o conhecimento decorrente da experiência enquanto um dado a posteriori, uma vez depender da comprovação prática. Já aquele conhecimento que independe dos sentidos, designou como a priori, pois se conhece algo sem que haja qualquer evidencia material de sua existência. No primeiro caso, têm-se um juízo sintético, e no último, um analítico. A partir disto, passou a analisar a possibilidade de se ter um conhecimento a priori de questões, e como da observação de fatos particulares se obtém uma regra universal, que seja aplicável em todos outros fatos de natureza semelhante.

Nesse sentido, Kant propôs uma analogia à teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico para que fosse entendido. Da mesma forma como o astrônomo mudou a teoria, afirmando que os planetas giram em torno do Sol e não o contrário, o filósofo propôs que os objetos seriam regulados pelo sujeito possuidor das formas do conhecimento e não o contrário. Noutras palavras, está no homem a possibilidade de se conhecer todas as coisas, pois possui as regras e dá sentido às coisas do mundo, marcando as formas pelas quais as conhece a partir da capturação das formas logicas existentes no sujeito, e não pela existência de algo transcendente no mundo externo (Deus) ou porque tais objetos estão na mente humana a partir da experiência.


4) O papel das formas puras da sensibilidade e das categorias do entendimento na obtenção de conhecimento:

As formas puras da sensibilidade tem o papel de oferecer um objeto da intuição empírica. Resulta do espaço e do tempo, que são essas formas que, intuitivamente, contem as condições de possibilidades desse objeto, de forma a priori, enquanto fenômeno, com valor objetivo.

Noutras palavras, a intuição é determinada de forma a priori por meio das formas de sensibilidade que são o tempo e o espaço. Não se tratam de qualidades do objeto, mas sim condições anteriores à experiência, e que permitem a ocorrência de tais experiências. Por meio da sensação, segundo as formas do tempo e do espaço, a mente primeiramente organiza o que capta, e depois ordena e classifica tais coisas, a partir de uma série de categorias, porém, tais categorias são deduzidas e não intuídas pelo intelecto.

Dessa forma, as categorias do entendimento são condições para que o objeto se dê na intuição, e consequentemente, podem aparentar como tais objetos, não obrigatoriamente, relacionando-se com as funções do entendimento, nem sendo condições “a priori”.


5) Distinção entre objeto e coisa em si:

O filósofo propõe uma distinção entre a coisa em si e o objeto. Por meio de tal distinção, Kant propõe que o homem só pode conhecer as coisas como elas aparecem à sua mente. Não é dado ao homem de forma alguma conhecer as coisas em si mesmas, mesmo enquanto ideias inatas na concepção de Descartes, ou ainda tendo o conceito de ideia enquanto copia exata da sensação obtida. O objeto é um fenômeno, ou seja, é uma representação que modifica o sujeito ao afetá-lo. Não se pode conhecer o que afeta o sujeito, este somente sabe que é afetado por alguma coisa porque pode criar uma imagem a respeito do que lhe afeta.



6) “Crítica da Razão Pura” de Immanuel Kant:

“Eu deveria achar que os exemplos da Matemática e da Ciência da Natureza, as quais se tornaram o que agora são por uma revolução levada a efeito de uma só vez, seriam suficientemente notáveis para fazer meditar sobre os elementos essenciais da transformação na maneira de pensar que lhes foi tão vantajosa e, na medida em que o permite sua analogia com a Metafísica como conhecimentos da razão, para imitá-las nisso ao menos como tentativa. Até agora se supôs que todo o nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm de se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados. O mesmo aconteceu com os primeiros pensamentos de Copérnico que, depois das coisas não quererem andar muito bem com a explicação dos movimentos celestes admitindo-se que todo o exército dos astros girava em torno do espectador, tentou ver se não seria melhor que o espectador se movesse em torno dos astros, deixando estes em paz” (KANT, I. Crítica da razão pura. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. pp. 12)


A passagem em tela remete à revolução copernicana e os impactos a partir desta construção elaborada por Kant que significou uma mudança de enfoque no objeto, uma vez anteriormente a mente devia se adaptar a ele e agora, passando para a obrigatoriedade do objeto se adaptar à mente.

Assim, a proposta da revolução copernicana vai de encontro à indagação acerca de uma obtenção de conhecimento seguro e verdadeiro sobre as coisas do mundo, considerando a existência de suspeita em relação ao principio da causalidade, ou seja, que não existia nada na causa que possa ter relação objetiva com seu efeito, assim como à afirmação de que a causa não decorre do próprio mundo e sim dos hábitos do sujeito.

Kant desta forma respondeu aos filósofos racionalistas que apregoam uma filosofia dogmática e defendiam uma razão especulativa, e aos empiristas, que entendiam que o conhecimento humano se baseava de forma exclusiva, em experiências sensíveis.

Para ele, o conhecimento que decorria da experiência era um dado a posteriori, já que dependia de comprovação empírica. Já aqueles conhecimentos que independiam de sentidos eram tidos como a priori, já que poderiam ser conhecidos sem que houvesse evidencias materiais de sua existência. Ao primeiro caso classificou-se juízo sintético, e o último, analítico. Põe-se então a analisar sobre a possibilidade de conhecimentos a priori de questões, bem como da possibilidade de se obter uma regra universal a partir da observação de fatos particulares, podendo ser aplicável em todos os outros fatos que tenham semelhança de natureza.

Visando corroborar sua tese elaborada, propôs uma analogia à teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico para que fosse entendido. Assim como o astrônomo mudou a teoria ao afirmar que os planetas giram em torno do Sol e não o Sol em torno dos planetas, Kant propôs que os objetos seriam regulados pelo sujeito possuidor das formas do conhecimento e não o contrário. Isto é, que estaria no sujeito a possibilidade de se conhecer todas as coisas, já que este detém as regras e dá sentido às coisas do mundo, bem como pode marcar as formas pelas quais as conhece, partindo da capturação das formas logicas existentes no sujeito, e não pela existência de algo transcendente no mundo externo, a ou seja, “Deus”, ou porque tais objetos estão na mente humana a partir da experiência.

Tal caminho empreendido pela concepção kantiana para se fundamentar o conhecimento humano ocasionou relevante mudança no campo da teoria do conhecimento, pois além de reforçar a proposta de revolução copernicana, alterou significativamente as análises acerca dos conhecimentos, ou seja, as formas como o homem pode conhecer. Ao formular a existência de juízos sintéticos a priori, Kant fez com que fosse possível compreender a natureza dos objetos de tais juízos, e distinguiu entre os objetos aqueles que podem e aqueles que não podem ser conhecidos pelo sujeito. Toda essa trajetória impactou a tradição metafísica, bem como contribuiu para que os juízos da matemática e da física fossem fundamentados, o que acarretou, consequentemente, nas ciências naturais num todo.



7) Qual é o sentido da caracterização da filosofia kantiana como “crítica”?

Kant pode ter sua filosofia caracterizada como crítica a partir do momento em que atinge sua maturidade intelectual e propõe uma postura crítica a respeito da investigação dos fundamentos do conhecimento, apoiando uma releitura da fonte de tal conhecimento, e ultrapassando a dicotomia entre o dogmatismo racionalista e o ceticismo empirista. Assim, alvitra que “não se pode aprender a filosofia, somente se pode aprender a filosofar”, ou seja, reconstruir a filosofia enquanto ciência racional, e como tal, abordando todo conhecimento humano ao tentar responder quatro questões tidas como básicas:

a) o que se pode saber;

b) o que se deve fazer;

c) o que se deve esperar;

d) o que é um ser humano.

O filósofo procurou o que seria o caráter da filosofia enquanto ciência primeira, ou ciência geral, completa. Para tanto, superou a dicotomia entre os racionalistas (que a partir do cogito, enquanto ideia inata e universal, não se encontrou comprovação na experiência, numa análise empírica) e os empiristas (que se propunha como base para a construção do conhecimento a experiência, se tornando um individualismo relativista e cético, não possibilitando segurança no conhecer).

Para Kant, os racionalistas estavam errados ao entender que as ideias eram inatas, uma vez que dependem dos sentidos na realidade, e de igual forma, os empiristas também estavam errados ao supor que é pela experiência que a razão é adquirida, já que a mesma existe independentemente de se vivenciar os fatos pessoais.

No entanto, o referido filósofo se depara com uma dificuldade que diz respeito às questões metafísicas, pois estas não se fazem conhecidas ao sujeito pelos sentidos, como, por exemplo, a existência de Deus. Num viés agnóstico, Kant propõe uma solução afirmando a possibilidade da existência de juízos a priori em relação à metafísica.

Assim, a filosofia kantiana pode ser tida como crítica, pois a mesma se propôs a investigar as categorias ou formas a priori do conhecimento. Seu escopo era chegar à conclusão de que o entendimento e a razão podem conhecer, encontrando-se livres de toda experiência, de um lado, bem como, dos limites impostos a este conhecimento, por outro lado.

Tratou-se, portanto, de se fundamentar um pensamento metafísico com um caráter não dogmático, já que a concepção dogmática fora contestada com o posicionamento cético. É esse criticismo kantiano, enquanto alternativa entre o ceticismo empirista e o dogmatismo racionalista, a única possibilidade existente para o filósofo de se repensar as questões próprias à metafísica.


BIBLIOGRAFIA:

KANT, I. Crítica da razão pura in Coleção Os Pensadores. Abril Cultural, 1980.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Spinoza a Kant, v. 4. Trad. Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2005.

VEJA TAMBÉM:



terça-feira, 8 de abril de 2014

TEORIA DO CONHECIMENTO – PARTE 2: DESCARTES E HUME


O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento das atividades propostas na disciplina “Teoria do Conhecimento” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em 08 de abril de 2014.

A primeira parte deste estudo sobre a Teoria do Conhecimento em Platão, você pode acessar aqui.



O racionalismo de René Descartes

1) A dúvida metódica (hiperbólica) e o argumento do Gênio maligno (Discurso do Método: Terceira e Quarta parte; Meditações: Primeira meditação):

Trata-se da discussão sobre o conhecimento para Descartes, cuja duvida metódica se destaca na História da Filosofia Moderna, haja vista colocar em duvida tudo o que Descartes conhecia, até então, enquanto verdade. Tal característica de metódica se dá em razão de se processar de forma ordenada e pela lógica, tendo como inicio a simplicidade e concretude das ideias, de um lado, até o fim do percurso chegando à abstração e generalização destas. Também é tida como radical e hiperbólica uma vez que se colocam em extrema dúvida todas as certezas existentes. Descartes, portanto, apresenta a dúvida como sendo extensa e intensa, uma vez ser natural e metafísica. Descarta a possibilidade de conhecimento a partir da percepção e sensibilidade, já que as percepções sensoriais são muitas vezes eivadas, assim como as representações, pois são pouco nítidas. A dúvida de Descartes se apresenta também em relação às representações da metafísica, indagando a hipótese de um Deus enganador e de um gênio maligno. Porém, entende que somente alguém poderoso, no caso Deus, pode fazer existir a crença na verdade das representações matemáticas, clareando-as e distinguindo-as, mesmo não as sendo. Por isto, o filósofo conclui descartando a possibilidade da existência de um Deus enganador, e propõe a existência de um Gênio Maligno, que com poderes tais passa a enganar o homem ao pensar, e começa a questionar se os pensamentos humanos podem, de alguma forma, derivar esse gênio maligno.


2) A verdade do cogito: “penso, logo existo” (Discurso do Método: Quarta parte; Meditações: Meditação Segunda):

Essa é a primeira conclusão a que chega Descartes. Ao se indagar sobre a possível existência de um gênio maligno enganador, o filósofo conclui que ele só age porque existia algo anteriormente, para que possa ser enganado. Assim, se esse algo pensa, logo esse algo existe. O próprio ato de duvidar demonstra a existência de algo, pois se há uma duvida é porque há pensamento, assim, se há pensamento é porque algo que existente produz esse pensamento.


3) Existência de Deus e imortalidade da alma como bases do conhecimento seguro (Discurso do Método: Quarta parte e Quinta parte [p.59-63; 68-70]; Meditações: Meditações Segunda e Terceira):

Esta certeza de Descartes se dá a partir da existência do cogito. Deus é a própria ideia de Deus para o filósofo, tratando-se, portanto, do autor da perfeição que existe no ser. Na concepção do filósofo, a ideia de Deus é verdadeira, sem possibilidade de duvidas. É certa, clara, distinta. O ser que pensa faz parte dessa ideia, porque faz parte dessa perfeição da ideia de Deus, e por fazer parte desta ideia, pode conhecer esse infinito ao qual faz parte. O ser que conhece a ideia de Deus a conhece porque o próprio Deus a embutiu neste ser. É por fazer parte dessa ideia perfeita de Deus que o homem pode existir enquanto autor de si próprio, uma vez que sem essa ideia de Deus, o homem seria o próprio Deus, considerando sua necessidade de ser completo e perfeito. Tal completude, tal perfeição, se dá com a figura de Deus, enquanto ideia perfeita.


4) A elaboração cartesiana das bases da teoria do conhecimento tradicional (Meditações: Meditação Quarta):

A partir da ideia da perfeição em Deus, o filósofo busca a origem dos erros, do que seja verdadeiro e do que seja falsidade, partindo do pressuposto da bondade de Deus e não da existência de um Deus enganador. Justamente por ser Deus bondoso, o mesmo faz com que a imperfeição do homem se acabe. Deus é tão perfeito e bom que concede aos homens a amplitude da vontade que lhe é própria. Porém, ao poder fazer escolhas, negando ou afirmando algo, o homem depara-se com a fonte do erro pelo qual se decaí, justamente por ter o entendimento limitado. Assim, Descartes propõe o método a ser percorrido pelo homem para se alcançar a verdade, além de se poder evitar o erro. Por isto, investigar o problema do erro não só se ter uma solução, de caráter metafísico para um problema, mas é também a possibilidade do conhecimento do próprio homem se dá de forma fundamentada.



O empirismo de David Hume:


1) “Todo conhecimento se origina na experiência”: a distinção entre impressões e ideias

A concepção humeana entende as percepções por meio das impressões e das ideias. As primeiras são consideradas sensações tidas de forma mais nítida na experiência, podendo ser de dois tipos: a) impressões de sensação (a partir de estímulos externos – os sons, por exemplo); b) impressões de reflexão (a partir de estímulos internos da mente – as emoções, vontade, etc).

Já as segundas, as ideias, são percepções não muito nítidas, diferindo-se das primeiras por serem copias de tais impressões na memória. Assim, tem-se que as impressões se manifestam de forma mais forte ou violenta, enquanto as ideias são tênues, mais fracas e que são produzidas pela memória, a partir de tais impressões.

Portanto, as impressões são responsáveis apenas por gerar a ideia, e por tal razão, não tem sua natureza enquanto percepção alterada. O conhecimento, desta forma, somente é uma crença porque se trata de uma impressão forte. O conhecimento é uma percepção, um sentimento que se faz por meio das ideias.


2) Distinção entre relações de ideias e questões de fato:

As relações tidas de ideias são consideradas por Hume como conhecimento a priori, isto é, são conhecimentos, ou verdades, necessárias. Tudo que deriva destas não fornecem conhecimento sobre o que acontece contingencialmente. São exemplos das relações de ideias o teorema de Pitágoras e as proposições aritméticas, geométricas, dentre outras. Por outro lado, as questões de fatos são tidas como conhecimento a posteriori, ou seja, suas verdades são contingentes, dependem das possibilidades, e as proposições que destas derivam refletem coisas existentes no mundo, possibilitando assim o conhecimento do que existe e do que de fato, acontece. Um exemplo de uma questão de fato é a assertiva: “o sol nascerá amanhã”.

Na concepção humeana não se pode ter certezas sobre questões de fato, nem a verdade de muitos assuntos/ideias está à disposição do sujeito. Tem-se assim que as questões de fato relacionam-se à relação de causa e efeito dos registros da memória, podendo ser compreendido a partir da experiência habitual dos fenômenos concretos, não havendo, para tanto, raciocínio a priori, apenas desenvolvendo-se pelo hábito, isto é, trata-se de um conhecimento involuntário.


3) Causalidade e princípio do hábito:

Para Hume, a causalidade resulta da experiência, não sendo, portanto, produto da razão. É pela experiência que se pode compreender a existência de uma e de outras coisas, sendo a causalidade fundamentada, portanto, exclusivamente na experiência. O principio do hábito diz respeito à conclusão de que a repetição de algo passado não apresenta nova conclusão, novo raciocínio. Trata-se da experiência instintiva da natureza humana, que é vivida de forma associada às impressões, por meio da repetição. Pelo hábito, pode-se inferir a relação de causa e efeito, e a relação entre experiências vividas e o presente, podendo a partir disto, inferir o futuro. Toda projeção do futuro se baseia, portanto, no habito, no conhecimento resultante da experiência. É pelo hábito, portanto, que o sujeito pode ter prudência e expectativas futuras.



Principais controvérsias acerca do conhecimento existentes entre a posição racionalista de Descartes e o empirismo humano.

O racionalista Descartes admitia a existência de duas fontes de conhecimento, a saber: a experiência e a razão/pensamento, porém, destacou que a razão/pensamento é a fonte fundamental de conhecimento. Por sua vez, o empirista Hume diferencia-se de Descartes, pois, apesar de admitir as duas fontes de conhecimento, considerava somente a experiência como fonte primordial do conhecimento.

Para Descartes, o conhecimento se justifica pela razão, pelo pensamento. Tem-se assim a primeira certeza cartesiana, ou seja, o cogito (penso, logo existo), sendo este adquirido pela razão. As crenças básicas, portanto, seriam racionais, a priori. Já em Hume, o conhecimento de fato (as questões de fato) é adquirido pela experiência, tratando-se de um conhecimento a posteriori, uma vez que a razão não apontava nada sobre o mundo exterior, e, portanto, as crenças básicas não teriam um caráter racional.

Disto decorre que na concepção racionalista de Descartes os sentidos não são confiáveis, pelo contrário, são enganadores, e de igual forma, na concepção de Hume, a razão não produz nada sobre o mundo, já que os conhecimentos sobre o mundo, sobre os fatos, são fundados na experiência. Descartes, portanto, entende as ideias inatas como fulcral para o conhecimento, ao passo que Hume, nega a existência destas ideias inatas, tendo o conhecimento origem nas impressões.

Portanto, no racionalismo de Descartes para se decidir quais as crenças podem ser aceitas enquanto verdadeiras se faz necessária rejeitar, enquanto falsidade, de tudo o que não seja indubitável, ou seja, há um cepticismo metodológico, isto é, uma duvida de todos os conhecimentos que não sejam irredutivelmente evidentes. Tudo que não for completamente evidente e tudo aquilo que já serviu de enganação no passado, não pode ser considerando enquanto conhecimento tido verdadeiro. Nessa concepção, existe um conhecimento que resiste a todas as duvidas que seja céptica, qual seja, o cogito (penso, logo existo), sendo tal conhecimento justificável pela própria possibilidade da existência do ato de duvidar.

Já no empirismo de Hume há uma defesa do cepticismo, porém de forma mais moderada, com base nos argumentos da ausência de justificações para as crenças na existência do mundo exterior e na uniformidade da natureza, bem como na consciência dos limites do entendimento humano. Assim, apesar do principio da causalidade não ser nada além de uma crença subjetiva, o produto de um hábito, sem essa crença, a vida se dá impraticável.

BIBLIOGRAFIA:

DESCARTES, R. Discurso do Método. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

______________. Meditações. In Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano in Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1978. Sessões I a V


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segunda-feira, 7 de abril de 2014

TEORIA DO CONHECIMENTO – PARTE 1: PLATÃO




O presente texto é uma produção realizada a partir de um fichamento das atividades propostas na disciplina “Teoria do Conhecimento” do Curso de Licenciatura em Filosofia, que realizo pela Universidade Federal de Lavras, em 07 de abril de 2014.


Proposta da disciplina:

“A primazia do conhecimento sobre os demais âmbitos de realização da existência humana, no entanto, está diretamente relacionada com a apropriação do pensamento grego pela tradição subsequente e a paulatina expansão de seu pensamento filosófico-científico, este que procurava, em certa medida, romper com os princípios da narrativa mítica e com uma apropriação discursiva do real por parte do homem que fosse pautada principalmente por entes religiosos. 

A importância concedida à atividade racional e seu resultado, o conhecimento verdadeiro, pode ser vista de modo claro quando nos deparamos com a afirmação de que este é o traço distintivo do próprio homem, aquilo que o difere dos demais seres vivos existentes no mundo. De acordo com esta visão, somos humanos apenas na medida em que conhecemos verdadeiramente as coisas. Homo sapiens: o homem que sabe. Mas o que efetivamente significa conhecer? Como é possível que realizemos esta atividade de modo bem sucedido? Em que repousa a possibilidade de conhecermos de maneira inadequada? Quais são as características constitutivas do homem que o permitem conhecer? O que significa, afinal, verdade? De que modo verdade e conhecimento se relacionam? Estas são algumas questões com as quais devemos nos deparar ao longo desta disciplina de teoria do conhecimento”. (Roberta Cassiano)



A caracterização platônica do conhecimento no Teeteto:

A discussão empreendida no diálogo aporético “Teeteto”, de Platão, sobre o conhecimento e de sua possível definição, se dá com Sócrates indagando seu interlocutor Teeteto, se o ato de aprender não significava se tornar sábio, a qual obteve uma resposta positiva. Posteriormente, Sócrates pergunta-lhe se haveria diferença entre sabedoria e conhecimento, recebendo, novamente, uma resposta afirmativa. A partir disto, Sócrates manifesta à Teeteto sua inquietação com o tema, proponho-lhe uma discussão sobre a definição de conhecimento.

A primeira definição apresentada por Teeteto é que o conhecimento se baseia em coisas particulares. Sócrates o refuta – pois se assim o fosse, teria que ser utilizada tal definição o se tentar definir as coisas particulares – e refaz a pergunta a partir da perspectiva de se definir conhecimento como algo que seja comum a todas as formas de conhecimento, e não somente em casos particulares. Sócrates queria uma compreensão do que seria a essência do conhecimento.

Em sua segunda definição, o interlocutor propõe que conhecimento seja sensação, ou seja, por meio do contato com a coisa, por meio dos sentidos, pode-se conhecê-la. Sócrates refuta-o afirmando que apreensão por meio de sentidos só se produz algo que seja parecido. Caso isto fosse possível, seria necessário aceitar o que Protágoras afirmou, ou seja, que aquilo que parece, é verdadeiro para a pessoa. Sócrates não aceita que conhecimento possa seja a percepção sensorial de algo, uma vez que aquilo que é verdadeiro pode ser conhecido, e não somente percebido pelos sentidos.

Com a continuação do diálogo, Teeteto afirma que o conhecimento não pode ser representado por qualquer opinião, considerando a possibilidade da existência de opinião falsa. Propõe então que o conhecimento seja uma opinião verdadeira, ao posso que Sócrates o refuta ao definir que pensamento seja um discurso produzido pela alma para consigo mesmo, por meio de perguntas e respostas, afirmando-as ou negando-as. A opinião falsa se daria, portanto, quando se confunde duas coisas igualmente existentes, no pensamento. Para solucionar a lide, Sócrates propõe a transformação da dicotomia “saber x não saber” em “ser x não-ser”. Noutras palavras, por meio dessa transformação o filósofo demonstra a diferença entre opinião falsa e em pensar em algo que não existe, uma vez que quando se pensa algo, pensa-se em algo existente, e que quando se pensa em algo não existente, num “não-ser”, não se pensa em nada, ou melhor, não se pensa de maneira alguma.

Após toda a confusão com tal refutação de Sócrates, Teeteto empreende a elaboração do que seja conhecimento e afirma que o mesmo seja a opinião verdadeira acompanhada de explicação racional. Sócrates o refuta novamente afirmando que os elementos primitivos do que venha a ser “explicação racional” não admitem explicação sobre sua existência ou inexistência, uma vez que somente se pode nomeá-los, bem como que o conhecimento (o todo) é formado por elementos diversos, o que demandaria necessariamente conhecer todas essas partes, o que é impossível, razão pela qual não se explica o todo, tornando-o incognoscível.

A discussão é concluída sem que se defina o que seja o conhecimento, porém, sabe-se que o conhecimento não é sensação, nem opinião verdadeira, e nem opinião verdadeira aliada à explicação racional.



Contribuições aristotélicas para a teoria do conhecimento:

1) A divisão dos cinco modos de apreensão da verdade na Ética a Nicômaco: 

a) Ciência (episteme): Trata-se de juízos sobre coisas universais e necessárias, cujas conclusões e demonstrações derivam de primeiros princípios, ou seja, é o estado que permite demonstrar, se ter uma convicção, conhecendo os pontos de partida para se chegar ao conhecimento cientifico.

b) Arte (tekné): Trata-se da capacidade de produção que envolva o reto raciocínio. Relaciona-se com a geração, com a invenção, com as formas de se produzir algo que possa ser ou não ser, tendo o que produz como origem, e não quem a produz. Não diz respeito ao que se gera por necessidade, nem com as que se referem a natureza, uma vez ser uma produção e não um agir.

c) Prudência / Circunvisão (phrónesis): Trata-se da capacidade de raciocinar e agir no que se refere ao que é bom ou mau, diferindo-se da arte, uma vez que esta é excelente ao ser elaborada. Essa capacidade racional de ação em relação ao que é bom ou mau para o homem se dá na busca pelo bom tanto para si como para a vida em geral.

d) Sabedoria (sophia): Trata-se do conhecimento cientifico, da compreensão, e não da ação. É a combinação do pensamento com a ciência, com objetivos elevados. É a forma de conhecimento mais perfeita.

e) Pensamento (nous): Trata-se de onde se parte a ciência, de onde se apreende os princípios. Por meio da indução, apreende-se a verdade universal como evidente a si.



2) Os três primeiros tipos de saber (eidenai): percepção sensível (aisthesis), experiência (empeiría) e arte (techné), com base no Livro I da Metafísica.

A percepção sensível é a possibilidade de se conhecer na medida do possível, mesmo sem o apoio da ciência, é a sensibilidade de se perceber apenas o que se é dado. É dela que surge as outras. Já a experiência é a possibilidade de se conhecer as coisas mais complexas. Tem o sentido amplo, pois possibilita a experiência sensível e a abstrata. Por fim, a arte é a capacidade de produzir, baseado em regras gerais, um conhecimento sólido. É a sabedoria que vai além dos dados, encontram-se as justificativas e as causas.



O que difere conhecimento e opinião verdadeira no pensamento platônico?

Platão, por meio do diálogo aporético em tela, apresenta um diálogo empreendido por Sócrates e seu interlocutor, o matemático Teeteto, com a perspectiva principal da maiêutica, isto é, do conhecimento, objetivando-o concretizá-lo. Numa analogia à uma parteira que se experiente, que se propõe auxiliar mulheres inexperientes na hora do parto, Sócrates auxilia na tentativa de dar luz ao verdadeiro conhecimento para aqueles que tem dificuldades em produzir ideias, e para tanto, desenvolve uma reflexão filosófica com o objetivo de demonstrar as diferenças na dicotomia do falso e do verdadeiro, o que analogamente ao parto, se aplica à dor e o sofrimento seguido da alegria que se tem ao se nascer a criança.

Assim, tem-se que o conhecimento humano pode ser dividido em sensível (opinião verdadeira) ou em conhecimento racional (intelectual), sendo o primeiro particular, mutável, relativo; e o segundo, geral, universal, imutável, absoluto, responsável por contribuir para o sensível, porém, não sendo deste derivado. 

Platão se diferencia de Sócrates porque entendia ser impossível tirar o conceito de universal, imutável, absoluto do conhecimento sensível, que é justamente mutável, particular e relativo. O filósofo entendia que os conceitos se dão de forma a priori, estando no próprio espírito humano, e que são utilizados quando necessários para sustentar os sentidos para compreensão dos conceitos, não para originá-lo, mas sim para que se associá-los sempre que se depare com os sentimentos. 

Assim, em Platão o conhecimento racional é aquele onde se baseia a realidade, possui objeto próprio que são os conceitos, de forma universal e eterna. Já o conhecimento derivado do sensível é mutável, se dá com as coisas particulares, não precedi de ciência, sendo um conhecimento meramente sensível do que seja a verdade, e, portanto, inferior ao conhecimento racional. As ideias são conhecimentos sensíveis que captam somente as aparências, não sabendo o que é de fato a verdade, podendo cometer erros sem que se saiba. 

É o conhecimento racional que possibilita se alcançar o ser e a verdade. É o empírico, a realidade material em que se vive transcendido pelo conhecimento racional. Pela ciência, tal tipo de conhecimento se vincula as causas das coisas, não se satisfaz com meras sombras do que possam ser coisas, como o é o conhecimento sensível. 



BIBLIOGRAFIA:

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. VI 2-7.

_________. Metafísica. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. I, 1-2.

PLATÃO, Teeteto. Trad. A. M. Nogueira e M. Boeri. Lisboa: Gulbenkian, 2005. 



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